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N
ACAMPROSATO : UMA NOVA DROGA NO TRATAMENTO DO ALCOOLISMO
AUTOR : LUCIANO KURTZ JORNADA*
CO-AUTORES : MÁRCIA SURDO PEREIRA*
PATRICIA DE SAIBRO*
ERNANI LUZ JR.**
*Psiquiatras Assistente da Unidade Dependência Química Hospital Mãe de Deus 1998
** Psiquiatra Senior da Unidade de Dependência Química - Hospital Mãe de Deus
Resumo:
ATÉ RECENTEMENTE, O MANEJO DE PACIENTES COM DEPENDÊNCIA DE ÁLCOOL LIMITAVA-SE A TERAPIAS AVERSIVAS E ABORDAGENS psicissociais. NOS ÚLTIMOS ANOS DUAS DROGAS VEM SENDO DESTACADAS COMO REDUTORAS DO CRAVING OU COADJUVANTES NA PREVENÇÃO DA RECAÍDA : O NALTREXONE E O ACAMPROSATO O PRESENTE ARTIGO TRATA DE UMA REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O ACAMPROSATO ( ACETIL HOMOTAURINATO DE CÁLCIO ). O FÁRMACO PARECE TER SUA PRINCIPAL AÇÃO ATRAVÉS DE BLOQUEIO NO SISTEMA GLUTAMINÉRGICO. A LITERATURA EUROPÉIA REPORTA ACHADOS POSITIVOS EM MODELOS ANIMAIS E EM ENSAIOS CLÍNICOS. DESTACAM-SE TRÊS ESTUDOS DUPLOCEGOS, MULTICÊNTRICOS, REALIZADOS NA ÚLTIMA DÉCADA, COM DURAÇÃO EM TORNO DE UM ANO ENVOLVENDO 1258 PACIENTES.ESTES OBTIVERAM UMA TAXA DE ABSTINÊNCIA CUMULATIVA COM ACAMPROSATO DE 19,3 % VERSUS 9,3 % EM RELAÇÃO AO PLACEBO E 39,6 % E 29,6 % DE DIAS DE ABSTINÊNCIA, RESPECTIVAMENTE (USANDO COMO ANÁLISE A INTENÇÃO DE TRATAMENTO). POR FIM, CONCLUI-SE QUE ESTA DROGA É UM EFETIVO COADJUVANTE NA MANUTENÇÃO DA ABSTINÊNCIA E SEGURA NAS SITUAÇÕES ESTUDADAS.
Trabalho Apresentado como Poster no 16º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, de 28 a 31 de Outubro de 1998 em São Paulo
INTRODUÇÃO
O alcoolismo é um
problema de saúde pública em todo o mundo. O álcool causa danos à saúde e
qualidade de vida comprometendo o bem-estar do indivíduo, família e sociedade.
Em 1990, nos Estados Unidos , foi estimado um custo anual de 98,6 bilhões de
dólares devido ao abuso e a dependência desta substância1, com taxas
de mortalidade chegando a 100.000, representando mais de 5% do total de óbitos2.
Estima-se que uma em cada dez pessoas apresenta problemas com álcool 3
.
Programas de
tratamento para dependentes tem tido sucesso modesto. Estudos de revisão 4,5 tem encontrado taxas de recaída em torno de
50% após 3 meses de tratamento hospitalar.
Até recentemente, o
manejo de pacientes com dependência, após a desintoxicação, limitava-se a
abordagens não farmacológicas e terapias aversivas6 . Várias
pesquisas tem focado a implicação do sistema de neurotransmissores e de
receptores no desenvolvimento de tolerância e dependência etílica, fazendo
parte deste quebra-cabeça os sistemas dopaminérgico7,
serotoninérgico 8, opióide9,10, ácido
gama-amino-butírico-GABA11 e
, por último, glutaminérgico12.
Nos últimos anos duas
drogas vem sendo destacadas como coadjuvantes na prevenção da recaída: o
Naltrexone e o Acamprosato (AC)13.
O primeiro é um antagonista opióide que tem o efeito de diminuir o consumo por
bloqueio dos efeitos prazerosos do álcool (reforço) e redução do craving14,
uma discussão mais detalhada desta droga foi abordado no estudo anterior. O artigo pretende discorrer sobre os
mecanismos farmacológicos e achados de ensaios
clínicos com Acamprosato ( Ac ).
O
Acamprosato (Ac) ou Acetil Homotaurinato de Cálcio é um derivado químico da
taurina, ingrediente da medicina oriental usado para tratar dependentes de
drogas. Este parece ter sido o principio racional para o desenvolvimento deste
derivado para o tratamento do alcoolismo15. Na Europa, a partir do
final da década de 80, surgiram estudos em modelos animais com derivados da
Taurina (ex. ingestão voluntária em ratos)
tendo sido encontrado resultados positivos com Ac. Isso, seguiu-se de ensaios
clínicos animadores replicados por diversos pesquisadores na década de 90.
Atualmente é usada clinicamente em alguns países da Europa como Alemanha,
Itália, França e Inglaterra. O Ac não é produzido pela industria farmacêutica
brasileira. Nos Estados Unidos não é disponível para uso comercial, ainda não
foi liberada pelo FDA. Na Europa é comercializado com o nome de Aotal , Campral
e Acampar .
O Ac tem uma
estrutura similar ao GABA16 e também análoga ao Ácido L-Glutâmico17,
de onde provém os seus mecanismos de ação mais estudados, envolvendo sistema
Gabaérgico e Glutaminérgico respectivamente. A atribuição inicial do seu efeito
clínico se deu através da demonstração in vitro e in vivo de sua
estimulação do GABA (via inibitória) em
diferentes áreas do cérebro18-20 em especial nos receptores do tipo
B6.
Estudos mais recentes sugerem que sua eficácia decorra de
antagonismo na neurotransmissão do receptor N-Metil-D-Aspartato (via
excitatória)21,22 ,mais especificamente no sítio da glicina (ver
figura). A diminuição no consumo de álcool possivelmente esteja associado a
redução de sintomas de abstinência , uma vez que, uma hiperexcitação do SNC
acompanha e presumivelmente causa síndrome de retirada. Em um estudo23 o Ac
diminuiu de forma dose-dependente os sinais de privação em ratos.
Fig. 1: Modelo
simplificado do sistema receptor NMDA. NMDA= Sítio de ligação do receptor
N-Metil-D-Aspartato; Glicina: Sítio de ligação do modulador alostérico ; Ca =
canal de cálcio. Dupla camada lipídica = parte da membrana neuronal35.
Sendo assim o Ac,
bloqueador dos receptores NMDA, não deixa de ser um redutor da privação
alcoólica. Isso foi demonstrado em modelos animais com redução de sinais
autonômicos e até convulsões em ratos23 .
A
situação de Pós-Síndrome de Abstinência ou Síndrome de Abstinência tardia,
inclui um período de semanas a meses onde os pacientes podem queixar-se de
sintomas variados tais como ansiedade, depressão, irritabilidade, fadiga,
palpitação, diarréia ou constipação, transpiração e tremor. O alívio desses
desconfortos ou da própria abstinência condicionada, poderia ser os fatores
redutores da recaída em alcoolistas que recebem Ac.
Este fármaco
entretanto, atua em outros sistemas neurotransmissores do cérebro como o
opióide24, o serotoninérgico e o noradrenérgico25. Além
disso, poderia mimetizar a atuação do taurino, uma sustância presente no
cérebro que parece reduzir a
hiperexcitação26. Com isso,
a exata forma com que a substância age na redução da ingestão alcoólica
permanece incerta.
Os dados farmacocinéticos disponíveis são
geralmente baseados em voluntários saudáveis. A maior parte da droga é
absorvida em 4 horas, tem sua meia-vida em torno de 13 hs. e o tempo necessário
para estabilização de 7 dias. Não parece haver metabolização
ocorrendo eliminação
urinária da substância ativa. Indivíduos com problemas renais moderados a
severos tiveram aumento da meia- vida o que sugere a possibilidade de acúmulo.
Distúrbios hepáticos provavelmente não modificam a farmacocinética. Não foi
reportado interação com álcool, diazepan, oxazepan ou dissulfiram. Por último,
não foram encontrados estudos com crianças ou idosos27.
Em todos os ensaios
clínicos revisados não foi evidenciado efeito ansiolítico, anti-depressivo,
potencial de abuso ou sinais e sintomas de retirada. Os efeitos colaterais mais freqüentes são diarréia e cefaléia, sendo que na maioria
dos estudos só o primeiro foi superior
ao placebo A literatura
cita 5 casos de overdose com Ac (doses < 43 g. ) todos com boa evolução após
lavagem gástrica27. A mesma fonte cita como contra-indicações
hipersensibilidade a droga, gravidez, amamentação, alteração renal ( creatinina
sérica > 0,12 mol/l. ) e falência hepática ( Pugh grau C ). Também, em
modelos animais , não foi observado mutagênese, carcinogênese ou teratogênese.
Resultados positivos com Ac tem sido
reportados em diversos estudos europeus. Estes vão desde redução da ingestão
voluntária em ratos28,29 a ensaios clínicos controlados com 1 ano de
duração. Em recente revisão Wilde &
Wagstaff (1997)6 encontraram
11 "trials" duplo-cego envolvendo um total de 3338 pacientes com
dependência de álcool.
No presente texto, os autores optaram por fazer uma síntese com três estudos, mencionados na tabela 1: Paile e Cols (1995)30 , Sass e Cols (1996)31 e Whithworth e Cols (1996)32 por serem os de mais longa duração além de ter metodologia adequadas e semelhantes. Tratam-se de estudos duplo-cego, controlados, multicêntricos, com duração de 48 semanas a 1 ano e seguimento posterior de 6 a 12 meses abrangendo 1258 indivíduos. Todos apresentavam diagnóstico prévio de Dependência do Álcool pelo DSM-lll33 ou DSM-lllR34. Receberam após desintoxicação hospitalar 1,3 a 2 g/dia de AC ou de forma randomizada o mesmo número de comprimidos da droga inativa, divididos em três tomadas ao dia. A faixa etária variou de 18 a 65 anos, tendo alguns fatores de exclusão comuns, por ex. gravidez, amamentação, doença clínica ou mental incapacitante. Todos receberam algum tipo de suporte terapêutico além dos comprimidos, de maneira semelhante entre os grupos.
As medidas de efetividade mais consistentemente empregadas foram as Taxas de Abstinência - TA - (ausência total de ingestão alcoólica) e Dias de Abstinência - DA- (representados na tabela 1 em percentagens). Os resultados foram medidos considerando a Intenção de Tratamento, ou seja, "drop-out" é considerado recaída. Este método parece ser o mais próximo da prática clínica, porém corre-se o risco de subestimar TA e a DA.
A tabela 1 mostra a superioridade do AC em relação ao
placebo,
não havendo uma diferença estatisticamente significativa na TAC do estudo de
PAILE e Cols (1996)30, apenas uma tendência que comparando apenas os
pacientes que recebera 2 g/dia com placebo foi significativa. No total a diferença em valores absoluto na taxa de
abstinência de 19, 3 para 9,3 % pode parecer pequena mas a relação entre as
duas é 2,1. Isso quer dizer, entre aqueles que receberam terapia coadjuvante
com Ac a taxa de abstinência foi maior que o dobro do que o grupo placebo.
COM DURAÇÃO EM TORNO DE 1 ANO
|
|
|
T.A. (p) |
D.A. (p) |
WHITWORTH e cols. |
AC |
n=224 |
18 % |
39 % |
Duração 12m |
PL |
n=224 |
7 % |
29 % |
N=448
|
|
|
(p<0,007) |
(p<0,012) |
SASS e cols. |
AC |
n=136 |
26 % |
62 % |
Duração 48 sem |
PL |
n=136 |
10 % |
45 % |
N=272 |
|
|
(p<0,005) |
(p<0,001) |
PAILLE e cols. |
AC 2g |
n=173 |
19 % |
41 % |
Duração 12m |
AC 1,3g |
n=188 |
18 % |
37 % |
N=538 |
PL |
n=177 |
11 % |
32 % |
|
|
|
(p<0,096) |
(p<0,0005) |
TOTAL |
AC |
n=721 |
19,3 % |
39,6 % |
N=1258 |
PL |
n=537 |
9,3 % |
29,6 % |
T.A.= Taxa de Abstinência ;
D.A.= Dias de Abstinência
Os
três estudos também reportaram estabilidade no período de seguimento ( a diferença entre os
grupos se mantiveram). Outro dado encontrado foi de que, apesar de diversas
semelhanças clínicas e sociais entre os dois grupos, os pacientes que receberam
a droga ativa permaneceram mais no tratamento que aqueles que receberam
comprimido inativo.
Os ensaios clínicos
apresentam características tais como elevado drop-out, risco na integridade
do duplo-cego e diferença entre população de voluntários para pesquisas e
população clínica. Essas limitações em relação às pesquisas em grande parte são
inerentes a patologia ou comuns a maior parte dos estudos com tratamentos de
qualquer natureza. Ainda no que diz respeito a aspectos populacionais, vale
citar que não foi encontrada nenhuma referência científica da medicação em
nosso meio.
Estudos
futuros são necessários para definir vários aspectos do fármaco. Seria ele útil
desde os primeiros dias de abstinência? Até quanto tempo utilizá-lo? Qual a sua
dose ótima? Eficácia comparada com outros fármacos ? Eficácia da associação com
outros fármacos? Segurança em idosos? existe um grupo de pacientes que se
beneficiaria mais deste ? A maioria destas questões de forma semelhante servem
para qualquer abordagem com indivíduos dependentes de álcool.
Conclusão:
Até o momento a pesquisa nos permite concluir que o Acamprosato é um efetivo e seguro coadjuvante das medidas psicossociais e comportamentais da manutenção da abstinência.
Fone: (048) 626 5070
Dr. Luciano Kurtz Jornada
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Data da última modificação:23/08/00
http://www.priory.com/psych/acamp.htm