Alcoolismo em Transtorno Bipolar:
Curso da Doença e
Avaliação da Relação
Familiar-genético na Co-ocorrência e Co-transmissão
Rodrigo Machado Vieira *
* Supervisor do Serviço de
Psiquiatria-Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre.
A alta prevalência de uso de substâncias psicoativas em pacientes com transtornos psiquiátricas tem recebido atenção cada vez maior por parte dos pesquisadores. Transtorno Bipolar e Alcoolismo são doenças familiares com fatores genéticos implicados na sua etiologia. A relação genético-familiar entre ambas é controversa e tem sido estudado de forma insuficiente. Nos últimos anos, inúmeros pesquisadores tem demonstrado interesse crescente e destacado a relação entre Transtorno de Humor Bipolar e Alcoolismo, num espectro muito mais amplo que uma simples comorbidade entre duas patologias psiquiátricas de importância no contexto social.
O Alcoolismo tem se mostrado mais comum na população de
pacientes com Transtorno de Humor Bipolar (THB) do que na população em geral. Estudos
genéticos em famílias desses pacientes podem identificar causas de excesso de
comorbidade entre as duas patologias. O termo comorbidade neste trabalho relaciona-se ao
cálculo feito para avaliar-se a chance de duas patologias ocorrerem ao mesmo tempo em um
mesmo indivíduo a partir das prevalências em separado. Sendo assim, o chamado excesso de
comorbidade caracteriza uma associação (concomitância) de prevalências mais
freqüentes do que a esperada em separado, destacando neste trabalho a associação entre
Transtorno de Humor Bipolar e Alcoolismo.
Recentes estudos epidemiológicos tem mostrado
convincentemente que os diagnósticos de Transtorno Bipolar e Alcoolismo ocorrem mais
freqüentemente juntos do que o esperado pela chance. Por exemplo, o ECA,
Epidemiological Catchment Area Study (Regier et al 90), relatou em estudo
multicêntrico uma taxa alta de comorbidade entre Transtorno Bipolar e Alcoolismo com Odds
ratio de 6.2, destacando que o THB é a patologia de Eixo I mais associada com
Alcoolismo. As razões para esta alta prevalência de comorbidade permanecem obscuras.
Maier (1996) em seu trabalho, mostra prevalência de 8,3% para Dependência ao Álcool.
Entre os pacientes com Transtorno de Humor Bipolar, 40,6% (Odds Ratio 5.6) apresentaram
Abuso ou Dependência ao Álcool. A análise das características da co-ocorrência e
co-transmissão do Transtorno de Humor Bipolar e Alcoolismo em famílias pode prover dados
para o entendimento da alta comorbidade entre estas duas patologias na população geral,
mostrando que estas representam a comorbidade mais prevalente entre os diagnósticos
psiquiátricos de eixo I (CID-10 e DSM-IV).
"Compartilhar fatores de risco familiar" inclui
alta prevalência de Alcoolismo em familiares de pacientes bipolares "puros",
além da presença concomitante de Transtorno Bipolar e Alcoolismo em familiares de
pacientes com ambas as patologias. Seu pior curso e prognóstico em relação aos
diagnósticos em separado parece estar relacionado `a identificação unicamente do
diagnóstico primário, deixando de atender o diagnóstico secundário, que se não
prevenido e tratado adequadamente, desenvolve novo ciclo da doença (Ex: Episódio
maníaco desencadeando aumento da ingesta alcoólica).
Winokur et al (1967), num estudo pequeno, sem
grupo-controle encontraram maior prevalência de Alcoolismo em familiares de primeiro grau
de pacientes com transtorno de Humor Bipolar, especialmente nos casos de início precoce
da doença afetiva. O trabalho de Strakowski (1992) avaliou outros diagnósticos
psiquiátricos em quarenta e um pacientes hospitalizados pela primeira vez devido a
episódio maníaco, e encontrou 24,4% dos pacientes internados no primeiro episódio
por mania com diagnóstico de abuso ou dependência ao álcool, sendo esta a maior
comorbidade psiquiátrica encontrada neste estudo.
Weiss (1987) hipotetiza que pacientes bipolares usam
substâncias psicoativas com o intuito de auto-medicação de seus sintomas de humor e que
o abuso e dependência ao álcool pode precipitar ou perpetuar episódios de humor.
Brady (1992), relacionando o curso da doença em pacientes com Transtorno Bipolar e
Alcoolismo com outros somente apresentando Transtorno Bipolar verificou um pior curso, com
sintomas mais proeminentes nos pacientes com Transtorno Bipolar e Alcoolismo, demonstrando
a influência negativa do abuso de substâncias psicoativas, neste caso o álcool, no
curso e prognóstico do Transtorno Bipolar. Também mostrou que pacientes que apresentam
concomitantemente o Transtorno de Humor Bipolar e Alcoolismo, apresentam melhor resposta
terapêutica ao uso de anticonvulsivantes em relação ao Lítio, provavelmente
relacionado ao efeito GABAérgico. Este fato levanta a hipótese de que o álcool, por
meio deste mesmo efeito GABAérgico apenas inicial, venha sendo usado para fins
"terapêuticos" em pacientes Bipolares, com resultados posteriores desastrosos
no tocante ao prognóstico. Este trabalho sugere a existência de uma forma independente
de transmissão entre o Transtorno Bipolar e o Alcoolismo. Reich (1974) mostrou que 31%
dos pacientes identificados com Transtorno de Humor Bipolar e Alcoolismo bebiam
excessivamente, em maior quantidade na mania, para acalmarem-se. Uma maior prevalência de
Alcoolismo em pacientes com Transtorno de Humor Bipolar e seus familiares e vice-versa
pode corroborar a possibilidade de um envolvimento genético comum entre estas duas
patologias, com potencial futuro para identificação de um diagnóstico único (por EX:
Agorafobia com ou sem Pânico).
Winokur et al (1993) coloca que a taxa de Alcoolismo em
pacientes com Transtorno de Humor Bipolar pode estar relacionada ao aumento da ingesta
alcoólica em pacientes durante os episódios maníacos, que o Alcoolismo pode ser um
fator predisponente a Mania ou que Alcoolismo e Mania são expressões iguais de um mesmo
fator genético.
Winokur et al (1995) em estudo prospectivo de 5 anos, amplo, criterioso e multidirecional com mais de 200 bipolares com e sem alcoolismo (2 grupos) e seus familiares concluiu que a relação familiar entre Transtorno Bipolar e Alcoolismo é mais forte que entre Depressão Maior e Alcoolismo, não explicado pela simples prevalência destas patologias. O trabalho conclui demonstrando uma pequena correlação entre componentes familiares de pacientes Bipolares e Alcoolistas. Os familiares de pacientes com Transtorno de Humor Bipolar e Alcoolismo concomitantemente (BIPALCO) apresentaram maior prevalência de Transtorno de Humor Bipolar comparados com Bipolares "puro", Alcoolistas e grupo controle. Os autores expressam que BIPALCO seria uma entidade nosológica `a parte e não a presença de duas patologias separadamente, como simples comorbidade. Os autores referem que durante um episódio maníaco há aumento do consumo de álcool em 40% dos casos. Reiteram como possíveis bases etiológicas para a excessiva comorbidade entre Transtorno de Humor Bipolar e Alcoolismo as seguintes hipóteses:
Outros autores sugerem em trabalho controlado com
metodologia bem delineada que o Alcoolismo familiar pode contribuir para a vulnerabilidade
ao Transtorno Bipolar e que existe hereditariedade compartilhada entre as duas patologias
através de maior taxa de Alcoolismo em familiares do grupo de pacientes com Transtorno
Bipolar e Alcoolismo (BIPALCO) comparado ao grupo somente com Transtorno Bipolar e grupo
controle (Winokur, Akiskal et al 1996).
Brady et al (1995) concluiram que o Transtorno de Humor
Bipolar associado ao Alcoolismo apresenta início mais precoce e pior curso comparado ao
Transtorno Bipolar sem Alcoolismo, além de apresentar-se mais freqüentemente com humor
irritável e disfórico, maior tendência a quadros mistos e ciclagem rápida, bem como
maior número de internações. Todos estes aspectos presentes predizem má evolução
prospectiva do quadro. Enfatizam que a relação entre Transtorno de Humor Bipolar e
Alcoolismo não baseia-se simplesmente em causa e efeito, é bidirecional e complexa.
Coloca a necessidade de abstinência ao álcool para real identificação e confirmação
de quadro de humor primário, já que a redução dos sintomas depressivos devido ao
álcool ocorre somente 2 a 4 semanas após interromper o uso do álcool e para os sintomas
maníacos, em média de 2 a 3 dias.
A identificação de fatores familiares
relacionados a estas duas patologias de extrema importância em saúde pública torna-se
fundamental em nível de prevenção e tratamento, principalmente porque a alta
freqüência de aparecimento concomitante destes dois transtornos reforça a necessidade
de um programa integrado de prevenção e tratamento em conjunto quando identificados de
tal forma.
.
Bibliografia
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Denise Razzouk e Giovanni Torello
Data da última modificação:23/08/00
http://www.priory.com/psych/bipolar.htm