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psi1.gif (3050 bytes)   globe4.gif (9321 bytes)Nline.gif (2767 bytes)barrabr.gif (6829 bytes)Psychiatry On-line Brazil - Current Issues (3) 07 1998

 

Psiquiatria Baseada em Evidências:

comentários: Ana C Chaves

Intervenções Familiares e Recaídas na Esquizofrenia: Metanálise dos Resultados de Pesquisas

Jair de Jesus Mari *

* Prof .Titular do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP-EPM

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Há uma evidência cada vez mais consistente de que o curso da esquizofrenia varia nas diferentes regiões do mundo, havendo um certo favorecimento de prognóstico nos assim chamados países em desenvolvimento. Um fator importante para explicar estas diferenças está relacionado com o ambiente familiar e o tipo de relações entre os familiares mais próximos, como por exemplo o tipo de estrutura familiar, tamanho, os valores e obrigações, laços, e os modelos de doença incorporados pela família. Pacientes com diagnóstico de esquizofrenia são particularmente sensíveis ao ambiente social mais imediato (BEELS et al., 1984), sendo a atmosfera familiar fator de influência no prognóstico da doença. KLEINMAN (1980) observou que o setor familiar na assistência à saúde deveria ser considerado no manuseio das doenças, nas diferentes partes do mundo.

A maioria das pesquisas sobre familiares de pacientes com esquizofrenia foram realizadas para testar a teoria das Emoções Expressas (EE), desenvolvida por investigadores britânicos há duas décadas (BROWN et al., 1972). Os sentimentos manifestados pelos familiares foram avaliados segundo os escores obtidos em uma entrevista semi-estruturada – a Entrevista Familiar de Camberwell (VAUGHN & Leff, 1976). Estes escores eram baseados na tonalidade vocal da fala e no conteúdo dos relatos familiares . A entrevista continha os seguintes componentes: a) comentários críticos, que eram julgados pelo tom da voz e manifestações claras de indignação censura ou desamor; b) hostilidade , indicando rejeição e comentários críticos generalizados; c) super-envolvimento, para avaliar uma preocupação excessiva em relação ao paciente e demonstração de ansiedade frente a problemas corriqueiros; e d) afeto, o único escore positivo, para incorporar comentários de suporte e demonstração espontânea de acolhimento e afeição. Os familiares foram divididos em alta EE e baixa EE segundo os resultados obtidos na entrevista e o seguimento dos pacientes por 9 meses mostrou que esta dicotomia esta associada com o número de recaídas – maior nos pacientes com familiares com alta EE. Estudos em países diferentes seguiram-se aos realizados na Inglaterra e a maioria confirmou a relação entre alta EE familiar e recaída na esquizofrenia (Vaughan et al., 1984; Wig at al. 1987; Cazzulo et al., 1989; Mavreas et al., 1992; Martins et al, 1992). Diferenças nas características metodológicas dos estudos dificultam uma comparação apropriada entre eles, mas indicam que existam diferenças transculturais em relação às emoções expressas – os familiares de países ditos em desenvolvimento apresentariam menos EE dos que os familiares dos países em desenvolvimento. Estas comparações podem estar revelando a natureza cultural essencial do constructo de EE, e dão subsídios à teoria de que a resposta individual a um membro familiar esquizofrênico estará enraizada no contexto social e cultural, existindo, portanto, um constructo social moldado por expectativas, apoio, atitudes e crenças, de pacientes e familiares, para com a natureza e curso da doença, que vão determinar, desta forma, o prognóstico da esquizofrenia para uma cultura particular (Mari, 1994).

Na última década, uma grande variedade de intervenções familiares na esquizofrenia foram desenvolvidas, todas apresentando objetivos semelhantes. Os ingredientes destas intervenções com enfoque psicossocial podem ser sintetizados do seguinte modo: a) promover uma aliança com os familiares que cuidam do paciente; b) reduzir a adversidade do ambiente familiar (ou seja, diminuir o clima de sobrecarga emocional através da redução do estresse e do sentimento de opressão dos familiares; c) aumentar a capacidade resolutiva de problemas dos familiares; d) diminuir a expressão de raiva e culpa; e) manter expectativas de um desempenho exeqüível por parte do paciente ( ou seja, pela manutenção de um balanço adequado entre a promoção de uma melhora no funcionamento do paciente e a super-estimulação que aumenta o risco de recaídas) ; f) estabelecer limites apropriados entre o paciente e seus familiares; g) determinar mudanças no sistema de crenças e comportamentos dos familiares. Todos estes pontos podem ser observados como princípios gerais que são, provavelmente, aplicados em diversas intervenções ( Mari, 1994).

Diante destas questões propusemos realizar uma revisão sistemática da literatura para avaliar estudos sobre a eficácia e a efetividade da intervenção familiar, na diminuição da ocorrência de episódios de recaída em pacientes com esquizofrenia. Os estudos foram identificados através de pesquisa computadorizada na base de dados MEDLINE, rastreamento de bibliografia de artigos de revisão e daqueles referidos nos ensaios primariamente identificados. Mais de 400 citações foram revisadas e, entre os artigos potencialmente relevantes , oito ensaios clínicos aleatórios e controlados foram considerados para o estudo de metanálise. O número total de pacientes incluídos nos oito estudos foi 486 (241 no grupo controle e 245 no experimental). Em relação à análise de eficácia , pode-se dizer que houve um aumento desta com o tempo, em favor da intervenção familiar, a qual diminuiu a probabilidade de recaídas. Portanto, intervenções familiares podem ser um tratamento eficaz para aqueles que aderiram a este procedimento. Contudo, os resultados da metanálise mostraram uma boa efetividade apenas para os seguimentos de nove e dezoito meses, ou seja, quando analisados rigorosamente, os resultados mostraram-se afetados pelas perdas e retiradas dos pacientes.

Esta metanálise não demonstrou uma associação clara entre a intervenção familiar e uma esperada mudança no status das EE. Entretanto, o número de estudos selecionados para avaliar o impacto da intervenção nas EE foi relativamente pequeno, havendo um aumento na probabilidade de se cometer um erro do Tipo II.

O grupo experimental mostrou através do tempo, um aumento significante na adesão ao tratamento medicamentoso e na redução da taxa de hospitalização, porém não foi possível fazer uma metanálise do número de contatos com serviços psiquiátricos em ambos os grupos, de tal modo a estimar a possibilidade de um efeito "LCT" (Love, Care, Tender).

Vários problemas foram detectados nos estudos de intervenções familiares – os investigadores foram altamente influenciados pela teoria das EE, a maioria dos ensaios realizados se utilizaram de pacientes e familiares selecionados após uma internação psiquiátrica, desconsiderando que muitos pacientes apresentam episódios psicóticos sem, entretanto, serem internados. É aparentemente mais fácil envolver os familiares em uma intervenção psicossocial durante um episódio psicótico, mas os problemas decorrentes de se proceder deste modo são provavelmente maiores do que se a participação dos familiares fosse obtida com o paciente clinicamente estabilizado. Nenhum investigador testou a confiabilidade entre-observadores dos critérios empregados e nenhum providenciou estimativas do poder para o cálculo de amostragem. Os critérios de recaídas, quando utilizados como a principal medida avaliada, tiveram a desvantagem de excluir o paciente quando o evento ocorria.

Concluindo, os dois objetivos mais amplos das intervenções familiares são: diminuir as tensões presentes no ambiente familiar e melhorar o funcionamento social do paciente, LAM (1991) coloca que " se os estímulos ambientais são claros, simples e livres de excessos emotivos, os pacientes terão uma probabilidade menor de apresentar episódios de recaída. Logo, as intervenções psicossociais são agora vistas como parte de uma estratégia terapêutica holística e a esquizofrenia como uma doença não mais implicando a família na sua etiologia. Além disto, a carga de afeto de um membro da família é vista pela equipe clínica como sendo uma necessidade do próprio familiar.

 

Comentários:

O Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) e a Agência de Política de Cuidado de Saúde e Pesquisa dos Estados Unidos fundaram em 1992 "Schizophrenia Patient Outcomes Research Team (PORT)", para desenvolver e disseminar recomendações para o tratamento de esquizofrenia baseados em evidência científica existente. Lehman e Steinwachs e co-investigadores do projeto PORT (1998) apresentaram estas recomendações de tratamento após revisões de literatura. Este artigo é interessante porque os autores dão uma nota para o nível de evidência existente na literatura – nível A: baseado em boa evidência de pesquisa em literatura; nível B: médio e nível C baseados somente em opiniões de espertos com evidências mínimas baseadas em pesquisas.

Em relação ao tratamento de familiares os autores propõem:

Se fossemos ficar somente com a opinião destes investigadores acharíamos que a pesquisa em intervenção familiar foi amplamente explorada e que os resultados dos ensaios clínicos são definitivos. Contudo, pela revisão sistemática realizada pelo Prof. Mari, vemos a necessidade de se estudar mais este assunto, apesar da análise ter sido mais a favor do grupo de intervenções familiares. Outro ponto que me chamou atenção no estudo do PORT é que apesar dos investigadores citarem que realizaram uma exaustiva revisão da literatura e estarem preocupados com as melhores evidências não citaram o estudo desenvolvido pelo Prof. Mari que foi publicado e comentado em várias revistas especializadas de língua inglesa ( Mari & Streiner, 1994; Mari & Streiner, 1996; Mari & Streiner, 1997a; Mari & Streiner, 1997b). Estes comentários têm a finalidade de chamar a atenção para os "guidelines" que têm sido exaustivamente publicados e que sempre citam que são baseados na melhor evidência disponível, mas não mostram como foi feita a pesquisa desta literatura e não incluem estudos importantes como o realizado pelo Prof.Mari.

Em relação à revisão sistemática propriamente dita chama a atenção a qualidade metodológica e também como o autor articula os resultados encontrados com várias teorias existentes na literatura, levantando hipóteses muito pertinentes. Considero este aspecto muito importante porque em geral os pesquisadores que trabalham com revisão sistemática parecem se prender muito na parte da metodologia da revisão, esquecendo que um dos objetivos principais não é só poder responder se existem evidências na literatura sobre determinado assunto, mas também integrar o que existe com possibilidades de pesquisa no futuro.

Através de um estudo cuidadoso o autor comprova que as intervenções familiares têm influencia no número de recaídas, adesão à medicação e na taxa de internação. Contudo, aponta para os problemas remanescentes que poderão ser testados em futuras pesquisas. Outro dado interessante apesar de não fazer parte da análise é o fato de que existem diferenças no nível de EE entre os familiares de países desenvolvidos e em desenvolvimento e a necessidade de se testar intervenções culturalmente sensíveis.

Apesar destes aspectos serem amplamente reconhecidos poucos pacientes e seus familiares são atendidos desta maneira. Segundo Laurie M.Flynn (1998), que é a diretora executiva da poderosa " National Alliance for the Mentally ill (NAMI)", as intervenções psicossociais que são muito valorizadas pelas pessoas que são consumidoras dos serviços de saúde, não são prioridades para aquelas que provem os serviços de saúde. Coloca que mesmo a educação da família e apoio é altamente negligenciado, embora um levantamento tenha mostrado que 75% dos pacientes têm contato com seus familiares.

Devemos ficar atentos para os resultados obtidos no estudo do Prof. Mari e refletindo sobre as condições de tratamento de pacientes com diagnóstico de esquizofrenia no Brasil, pois é uma doença que apesar de ter uma prevalência em torno de 1% da população geral, é uma doença altamente incapacitante e atinge tanto o doente com seus familiares, causando um custo alto para sociedade como um todo.

Referências:

  1. Flynn, L.M. (1998). Commentary by Laurie M. Flynn. Schizophrenia Bulletin, 24(1), 30-32.

  2. Lehman, A.F.; Steinwachs, D. M. & Survey Co-Investigators of the PORT Project. (1998). Patterns of usual care for schizophrenia: Initial results from the Schizophrenia Outcomes Research Team (PORT) Client Survey. Schizophrenia Bulletin, 24(1), 11-20.

  3. Mari, J.J. & Streiner, D. (1994). An overview of family interventions and relapse on schizophrenia:meta-analysis of research findings. Psychological Medicine, 24, 565-578.

  4. Mari, J.J. & Streiner, D. (1996). Een overzicht van gezinsintervneties en terugval bij schizophrenie: een meta-analyse van onderzoeksbevindingen. Genzins Therapie, 7, 4, 346-376.

  5. Mari, J.J. & Streiner, D. (1997). Family interventions reduces relapse rates, rehospitalization, and costs and increases compliance with medication in schizophrenia. Evidence Based Medicine, comentado por McGrath, J. may/June 1996, 121.

  6. Mari, J.J. & Streiner, D. (1997). The effects of family intervention for those with schizophrenia. In Adams, C.; Anderson, J. & Mari, J.J. Schizophrenia Module of the Cochrane Database of Systematic Reviews III. British Medical Journal Publishing Group, London.

 

Bibliografia

  1. Beels, C.C.; Gutwirth, L.; Berkeley, J. & Struening, E. (1984). Measurements of social support in schizophrenia. Schizophrenia Bulletin, 10, 399-411.

  2. Brown, G. W.; Birley, J.L.T. & Wing, J.K. (1972). Influence of family life on the course of schizophrenic disorders: A replication. British Journal of Psychiatry, 121, 241-258.

  3. Cazzulo, C.L.; Bressi, C.; Bertrando, P.; Clerici, M. & Maffei, C. (1989). Schizophrenie et expression emotionnelle familiale. Etude d´une polation italienne. Encephale, 15, 1-6.

  4. Kleinman, A. (1980). Patients and Healers in the Context of Culture. An

  5. Exploration of the Borderland between Antropology, Medicine, and Psychiatry. University of California Press, London.

  6. Lam, D.H. (1991). Psychosocial family intervention in schizophrenia: A review of empirical studies. Psychological Medicine, 21, 423, 441.

  7. Mari, J.J. (1994). Intervenções Familiares e Recaídas na Esquizofrenia: Meta-análise dos Resultados de Pesquisas. Tese de Livre Docência. São Paulo, 111p. – Escola Paulista de Medicina.

  8. Martins, C.; Lemos, A.I. & Bebbington, P.E. (1992). A Portuguese/Brazilian study of expressed emotion. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 27, 22-27.

  9. Mavreas, V.G.; Tomaras, V.; Karudy, V.; Economou, M. & Stefanis, C.N. (1992). Expressed emotion in families of chronic schizophrenics and its association with clinical measures. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 27, 4-9.

  10. Vaughn, C.E. & Leff, J.P. (1976). The measurement of Expressed Emotion in the families of psychiatry patients. British Journal of Social and Clinical Psychology, 15, 167-165.

  11. Vaughan, C.E.; Snyder, K.S.; Jones, S.; Freeman, W.B. & Faloon, I. (1984). Family factors in schizophrenia relapse. Replication in California of British research on expressed emotion. In Treatment of Schizophrenia. Edited by Goldstein, M.J.; hand, I. & Halweg, K., pp 97-106. Springer-Verlag, New York.

  12. Wig, N.N.; Menon, D.K.; Bedi, H.; Leff, J; Kuipers, L.; Ghosh, A.; Day, R.; Korten, G.; Ernberg, G.; Sartorius, N. & Jablenski, A.. (1987). Distribution of expressed emotion components among relatives of schizophrenic patients in Aarhus and Chandigarh. British Journal of Psychiatry, 151, 160-165.

 

 

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Denise Razzouk e Giovanni Torello

Data da última modificação:23/08/00

http://www.priory.com/psych/familia.htm