Homossexualidade tem algo a ver com psicanálise?*
* Trabalho a ser apresentado na mesa-redonda "Homossexualidade Hoje", no XVI Congresso Brasileiro de Psicanálise em Gramado, Rio Grande do Sul, de 1 a 3 de maio de 1997.
** Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
The glass must stretch
down his middle,
or rather down the edge.
But hes in doubt
as to which sides in or out
of the mirror.
Theres little margin for error,
but theres no proof, either.
And if half his heads reflected,
thought, he thinks, might be affected.***
(Elizabeth Bishop, 1946)
*** O espelho corria/ ou pelo meio do corpo/ ou pela borda das metades./ Que grande dúvida/ qual dos dois lados/ seria de espelho./ Não há margem de erro,/ provas nenhumas./ Se metade da cabeça é reflexo,/ os pensamentos, pensa, serão corretos?
(Tradução de Horácio Costa in "Poemas" de Elizabeth Bishop, Cia. Das Letras, 1990)
Esse título se inspira propositadamente em recente ensaio de André Green (1995) sobre o que ele considera a ausência da sexualidade na psicanálise hoje. Em relação à homossexualidade, a questão tem também sua pertinência, embora num sentido talvez oposto a aquele contido no seu artigo. Nele este autor parece deplorar o esvaziamento progressivo da sexualidade na prática psicanalítica contemporânea. Seus argumentos são sólidos e poderiam ser resumidos, de modo esquemático, em duas ordens de idéias: na primeira, ele sugere que a partir dos trabalhos de Melanie Klein e da escola kleiniana a sexualidade foi progressivamente passando para um plano secundário, dando lugar à agressão, por um lado, e por outro deslocando o ponto de interesse principal da situação edípica triangular, portanto genital, para as relações de objeto, ou seja, do triângulo filho-mãe-pai para a equação seio-bebê, mãe-criança. Este mesmo deslocamento aconteceu também em relação à mudança de foco do conflito edípico para os problemas de funcionamento do ego no que diz respeito à psicanálise norte-americana.
Posso não estar sendo inteiramente fiel ao texto de Green, que é bastante rico em argumentos e referências. Penso, no entanto, que ele comete em sua exposição, não obstante sua clareza e o humor do seu estilo, o que considero um mal-entendido. A saber: o deslocamento, que segundo ele se opera na clínica, do foco sobre as situações ditas "neuróticas", centradas na relação edípica e genital, para os distúrbios "borderlines" de personalidade cuja ênfase está nas relações arcaicas de objeto, relações pré-edípicas, pré-genitais (Green, 1996).
Este deslocamento, no que diz respeito aos trabalhos de Melanie Klein e da escola kleiniana, ocorre de fato, mas ao contrário do que sugere Green, ele se dá pela "sexualização" da relação mãe-bebê, relação que se torna, do ponto de vista kleiniano, radicalmente genitalizada (há uma genitalização arcaica e a situação edípica é considerada como o núcleo primitivo a partir do qual o mundo interno infantil se organiza, vindo a se tornar a base constitutiva da mente do futuro adulto) (Melanie Klein, 1945). Esta base tem sua origem no corpo e pelo corpo, e permanece sendo sexual no sentido que esse termo tem em psicanálise.
O mal-entendido a que me referi talvez consista numa confusão entre a Teoria da Sexualidade Infantil, tal como Freud (1905) a formulou, e suas implicações e conseqüências na experiência clínica. Refiro-me à experiência clínica com crianças e pacientes psicóticos desenvolvida por Melanie Klein e sua escola, inspirada nas contribuições de Ferenczi, Abraham, Jones, Fairbain e outros, e também na nossa experiência clínica contemporânea.
Chamo a atenção para o que considero um mal-entendido freqüente entre nós _do qual, me parece, o próprio Green não escapou_ que consiste em confundir três níveis distintos nos quais a sexualidade pode ser pensada do ponto de vista da psicanálise. Dois deles se dão no plano teórico: trata-se da Teoria da Sexualidade Infantil e da Teoria das Pulsões. O terceiro ocorre no plano prático, como manifestação na experiência clínica envolvendo comportamento, expressão de desejo, afetos, ou seja, como fenomenologia, no seu aspecto manifesto, consciente, observável na relação analista-analisando. Ou no seu aspecto dito latente, portanto suscetível de interpretação nos seus efeitos de sentido para a dupla analítica em cada sessão.
Tanto no nível da teoria quanto no da experiência clínica, a sexualidade, segundo penso e a partir da minha própria experiência, continua tendo um papel central. Embora não mais segundo o modelo freudiano clássico, seja como etiologia, seja como modo de explicação reducionista de diferentes estados mentais tomados como sintomas. Uma coisa, portanto, é enunciar que, do ponto de vista psicanalítico, a mente se constitui a partir de uma relação corporal, e das vicissitudes dessa relação, engendrando o modo de ser de cada indivíduo (Teoria da Sexualidade Infantil e Teoria das Pulsões). Outra, diferente, é a de investigar na relação clínica as conseqüências vivas e em permanente movimento da presença, no PRESENTE, destas vicissitudes. Acho que pensando desta maneira a questão da sexualidade como tendo ainda alguma coisa ou não a ver com a psicanálise perde sua relevância.
II
Quanto à homossexualidade, é preciso em primeiro lugar verificar de perto o sentido que tem esta palavra em psicanálise. A este propósito Stoller (1985) adverte que "o que é evidente é que o uso da palavra homossexualidade tem sido utilizado em tantas acepções que, se o autor não mostra claramente como a utiliza em determinado momento, todos os outros sentidos possíveis obscurecem sua compreensão." (pág. 125/126).
Freud , a partir dos "Três Ensaios" (1905), foi em grande parte responsável por uma revolução que modificou o modo contemporâneo de pensar este tema. A Teoria da Bissexualidade Humana e a Teoria do Complexo de Édipo possibilitaram duas conseqüências. A primeira delas é teórica e desse ponto de vista a homossexualidade passa a ser uma dimensão universal da mente, portanto uma categoria, como masculino e feminino em psicanálise são categorias mentais e independentes do sexo biológico do indivíduo. Outra conseqüência é de ordem prática, verifica-se na clínica e diz respeito à homossexualidade manifesta, assimilada ou não pela personalidade do indivíduo e que pode ou não apresentar uma determinada ordem de problemas clinicamente relevantes. À categoria homossexualidade latente corresponde a produção de efeitos e a proliferação de sentidos na relação analítica, seja como tendência à repetição, como inibição de crescimento ou transformação criadora.
Neste sentido a orientação da libido de uma pessoa em direção a um objeto do mesmo sexo, ou em direção a um objeto do sexo oposto, não tem diferença essencial qualitativa ou normativa, isto é, esta ou aquela orientação não é mais ou menos adequada, normal ou patológica do que outra. Escreve Freud (1905) nos Três Ensaios: "O afeto de uma criança por seus pais é sem dúvida o traço infantil mais importante que, após revivido na puberdade, indica o caminho para sua escolha de um objeto, mas não é o único. Outros pontos de partida com a mesma origem primitiva possibilitam ao homem desenvolver mais de uma linha sexual, baseadas não menos em sua infância, e a estabelecer condições muito variadas para sua escolha de objeto" (o grifo é meu). E acrescenta a este parágrafo, em nota de rodapé de 1915: "As inumeráveis peculiaridades da vida erótica dos seres humanos, assim como o caráter compulsivo do processo de apaixonar-se, são inteiramente ininteligíveis, salvo pela referência à infância e como efeitos residuais da infância". (pág. 236).
É interessante assinalar que a homossexualidade tanto quanto a heterossexualidade são comportamentos e, enquanto tais, não significam necessariamente identidades. Stoller (1985) prefere chamar de homossexualidades, já que são tantos os comportamentos que envolvem esta forma de orientação da libido, são tantos e tão variados os seus matizes, que de fato é preferível falar de homossexualidades tanto quanto se fala de hterossexualidades. (pág. 130) .
Freud tinha uma noção clara dessa questão e, não obstante as dificuldades e os aspectos, patológicos ou não, relacionados com os comportamentos sexuais, jamais considerou homossexualidade como algo patológico em si. Pelo contrário, o que com ele a psicanálise desenvolveu, independente das várias escolas de pensamento analítico, foi uma visão que procurou, como em qualquer outro comportamento humano, relacionar sua raiz à origem corporal e material da mente, ou seja, ao mundo da infância.
Assim no seu ensaio "Sobre a Psicogênese de um Caso de Homossexualismo Feminino" (1920) Freud escreve: "Não compete à psicanálise solucionar o problema do homossexualismo. Ela deve contentar-se com revelar os mecanismos psíquicos que culminaram na determinação da escolha de objeto, e remontar os caminhos que levam deles até as disposições instintuais". (pág. 211). Aqui, quando relatava a experiência clínica com uma jovem de 18 anos que os pais lhe encaminharam para "tratamento" sob a alegação de comportamento anormal (a moça se apaixonara explicitamente por uma linda dama vienense de comportamento sexual mundano e ambíguo), ele formulou pela primeira vez com clareza o problema da relação entre homossexualidade (ele chama de homossexualismo) e a psicanálise. Não é da competência da psicanálise a "solução do homossexualismo", e acrescento, como também não é da nossa competência, a solução do "heterossexualismo". É do campo da nossa competência "revelar os mecanismos psíquicos que culminaram na determinação da escolha de objeto" e, em seguida, "(...) remontar os caminhos que levam deles até as disposições instintuais". Assim chegamos aos dois pontos principais a partir dos quais várias linhas de investigação se desenvolveram: escolha de objeto (relações objetais) e suas relações com as disposições pulsionais (Teoria das Pulsões). Está aqui o foco da questão: é na relação analítica que se articulam e são revelados ou velados os modos de amar e/ou não amar, ser e/ou não ser. Se a raiz é infantil, quando se trata de um adulto, ou mesmo de uma criança ou adolescente, a árvore já nasceu, cresceu e sua folhagem abre-se para algo que ainda não se perfez. Tudo que é vivo, é inconcluso, imperfeito, não terminado, incluindo o modo de comportar-se quanto ao sexo ou a análise de qualquer um de nós, seres humanos, analistas e pacientes.
Stoller (1975)(1983) retoma de Freud esta idéia que acabei de comentar: remontar os caminhos que levam dos mecanismos psíquicos às disposições instintuais. Ele constrói um programa de investigação que configura a principal revolução sobre o tema da homossexualidade desde que Freud escreveu os "Três Ensaios", em 1905. Isto no âmbito da psicanálise, porque fora dela o magistral ensaio de Jean-Paul Sartre (1952), "Saint-Genet, Comédien et Martyr", é certamente o livro mais importante sobre a relação entre homossexualidade e vida infantil desde o estudo de Freud sobre Leonardo da Vinci. (1910).
Stoller dirigiu o centro de sua investigação para a relação entre os impulsos e sua orientação objetal. Ele não está preocupado com a "norma", o "adequado", mas com a possibilidade de verificar se o impulso vivido no e pelo sujeito é adequado ou não ao seu sentimento de identidade, no caso identidade de gênero, que não se confunde com identidade do ser. Sua distinção entre Pulsão homossexual e ato homossexual, por exemplo, é muito útil para a observação dos conflitos na relação analítica relacionados à identidade de gênero, tornando assim irrelevante a questão da homossexualidade ou da heterossexualidade como uma questão de identidade. Assim ele nos diz: "(...) um adjetivo pode se tornar um nome e o possuidor de uma pulsão homossexual é então chamado um homossexual. Aquilo que era apenas uma pulsão dentre outras foi transformado, pela magia das palavras, em uma identidade, um estado, um distúrbio, uma doença, uma perversão". (1985, pág. 217). Ele faz uma distinção muito útil entre Pulsão homossexual e pulsão de gênero (de acordo com o sexo biológico) e suas relações com os papéis e expectativas sociais do grupo em relação ao sujeito e do próprio sujeito. Sob este aspecto seu trabalho tem sido um desenvolvimento, eu diria mesmo revolucionário, dos trabalhos iniciais e clássicos de Freud sobre sexualidade e perversões. Aqui uso esses termos num sentido meramente descritivo.
Nesta direção Stoller nos indaga: "em quais casos e como estimamos que a homossexualidade (ou a bissexualidade se queremos conotar igualmente o lado heterossexual) não é simplesmente um aspecto do caráter humano, mas um processo patológico?" (pág. 218). E ele mesmo nos responde em seguida: "Se me permita enunciar uma posição raramente exposta na literatura analítica sobre a homossexualidade. Não existe nada que seja a homossexualidade e, portanto, não pode existir teoria unitária quanto à etiologia, a dinâmica ou tratamento. Há homossexualidades e suas etiologias, suas dinâmicas e suas aparências são tão variadas quanto aquelas da heterossexualidade. Não sabemos nós que não existe nada que seja a heterossexualidade, mas que existe, ao contrário, heterossexualidades?" (pág. 219). E ele passa a desenvolver uma visão dos problemas relacionados com a sexualidade, tomando a experiência erótica como objeto de investigação. Esta experiência (a excitação erótica) vai permitir uma análise mais adequada dos problemas que concernem o gozo, a dor, o prazer e o sofrimento.
Na apresentação que faz do seu livro (Stoller, 1985) ele escreve: "Enquanto psicanalista, minha perspectiva será naturalmente psicanalítica. Deixarei de lado os aspectos somáticos da excitação e as discussões especulativas dos psicobiologistas sobre as eventuais forças evolucionistas que modelam os fundamentos da excitação erótica. Enfoco a questão, quanto a mim, unicamente a partir do nascimento e _de maneira tipicamente analítica_ detenho-me sobretudo nas contribuições da primeira infância e da infância à esta neurose extraordinária/ inepta/ totalmente humana e criativa: a excitação erótica." (pág. 13).
Ele nos propõe assim não somente uma reavaliação do problema da homossexualidade, mas da sexualidade como um todo, psicanaliticamente considerada. Esta reavaliação é acompanhada de uma recusa do vocabulário usual dos analistas sobre o tema e nos propõe uma mudança de orientação ao enfocá-lo. O gozo e a dor por um lado, a agressão e a criatividade por outro, transformam-se em aspectos privilegiados para observação, independente da orientação sexual e/ou libidinal dos pacientes. Ele relaciona também como um ponto importante nas suas investigações a associação entre sexualidade e psicose.
André Green (1995) chama atenção para este fato dizendo: "Pensamos por exemplo no trabalho de Robert Stoller (1975-1979). Devido ao tempo limitado não podemos fazer um exame detalhado de suas opiniões. Contudo, parece-me que suas investigações confirmam um ponto que também tenho enfatizado, baseado em minha experiência analítica: a relação da sexualidade com o que chamei loucura para diferenciá-la da psicose." (pág. 227).
Como se pode perceber, das teorias à clínica é que podemos chegar a vislumbrar a natureza real dos problemas: clinicamente o que chamamos homossexualidade não tem de fato qualquer relevância hoje em psicanálise. Entretanto os problemas relacionados com gozo, humilhação, prazer, sofrimento, esterilidade mental ou criação associados ao comportamento sexual dos pacientes ganham nessa perspectiva o primeiro plano. E isto é ainda mais importante nas situações em que o comprometimento da vida mental de uma pessoa é acentuado. Aqui podem-se ressaltar as contribuições de Bion quando enfatiza a relação entre capacidade de sonhar, capacidade para pensar e o mundo bruto das sensações e das emoções. A capacidade de pensar como resultado das transformações possíveis entre carne (experiência corporal/ sexualidade) e criação (experiência estética). (Bion, 1980, 1973).
Esta referência a Bion me parece importante devido ao fato de que sua contribuição à psicanálise clínica contemporânea encontra muitos pontos de contato com os trabalhos recentes de Stoller e de André Green.
III
Alguns exemplos clínicos
Apresento quatro descrições clínicas que têm alguma relação com o tema e decorrem do meu trabalho analítico, sendo que uma delas é material de supervisão. Procuro destacar apenas em cada uma delas aquilo que me pareceu pertinente em relação à nossa questão. Sou muito sucinto nesta apresentação não somente devido à limitação de tempo, mas também porque os relatos aqui expostos têm uma função unicamente ilustrativa. Os pontos que possam suscitar discussão falarão por si se por acaso tiverem utilidade para um debate.
Paciente A
A., uma mulher jovem, me procurou para análise quando tinha em torno de 30 anos. Era professora universitária. Permaneceu comigo durante três anos. Tinha aparência cuidada, uma beleza discreta. Era muito inteligente e as vezes lembrava um jovem adolescente. Ela se vestia como qualquer jovem, homem ou mulher, da sua geração e condição social: informal, jeans, camiseta, tênis. Seu contato comigo no início era desconfiado, mas com o tempo tornou-se mais amistoso e cordial e em alguns momentos bastante afetuoso. Procurou a análise após a ruptura com uma namorada, com quem se relacionava já há alguns anos. Seus sentimentos, sua dor e a maneira como os expressava não diferiam daquela que se poderia observar em situações semelhantes, independentemente do relacionamento ser com uma pessoa do mesmo sexo ou do sexo oposto. A. jamais demonstrou qualquer "problema" pelo fato de somente namorar ou se relacionar sexualmente com mulheres. Segundo ela, a tendência para estes relacionamentos apareceu desde sua infância e os únicos problemas que surgiram, ocorreram após a puberdade quando, segundo ela, sua situação se definiu, gerando naturalmente dificuldades com os pais e com seu meio social, mas se dissiparam depois de algum tempo. A. sempre teve muitos amigos e amigas, vivia relativamente bem no seu grupo, freqüentando lugares comuns e compartilhando de um universo cultural semelhante.
Paciente B
B. é um homem com mais de 50 anos, casado pela segunda vez, com duas filhas do primeiro casamento e uma pequena filha do atual. Ele está em análise há três anos com uma analista mulher. Antes tinha estado em análise durante dez anos com uma outra analista. O que é peculiar nos relatos clínicos da sua analista em supervisão é que B., não obstante muito ativo sexualmente (refere numerosos relacionamentos extraconjugais com moças jovens e sempre de condição social inferior a dele), vive intensamente o medo de "ser homossexual". Ele relata uma experiência que considera traumática, vivida entre os 10 e os 12 anos. Teria se relacionado sexualmente com um primo mais velho, sempre na situação passiva. B. parece conferir a esse fato um valor excepcional. Sua angústia as vezes é tanta que impede sua convivência com outras pessoas. Em uma sessão recente, informou que teve que abandonar uma posição importante em uma empresa porque percebeu que seu chefe era "homossexual". B. disse que não suportou a angústia e abandonou aquilo que considerava ser uma excelente oportunidade. Sua analista relata que nas sessões ele vive momentos que ela descreve como de intensa angústia acompanhada de inquietação motora, gemidos, sudorese intensa. Esses momentos de angústia muda ocorrem quando emergem imagens ou idéias relacionadas a impulsos e representações "homossexuais".
Paciente C
C. é um homem de mais ou menos 50 anos, engenheiro da construção civil muito bem sucedido, casado, três filhos. Quando me procurou para análise já havia tido uma experiência analítica anterior que durara mais de quatro anos e que ele considerava ter sido útil. C., após algum tempo de análise e sob estado de angústia, contou que saia com rapazes, eventualmente, e que eram "rapazes de programa" com os quais mantinha relações onde se deixava seviciar e humilhar. Entretanto, pelos seus relatos, tudo isso era feito com controle da situação que, segundo ele, envolvia vários riscos. C. é um homem de compleição robusta, praticante de esportes e artes marciais. Estas situações, embora não muito freqüentes, repetiam-se eventualmente e eram seguidas de muita culpa e da sensação de insanidade. Exceto por esses fatos, o resto da vida de C. era sentida como tranqüila, familiar e equilibrada. Nas sessões comigo o clima dominante era amistoso. C. não usava o divã e, embora as vezes bastante desconfiado, era sempre cordial. Em algumas sessões certas situações que envolvessem frustração, como por exemplo atrasos, mobilizavam nele impulsos hostis que freqüentemente ele tentava disfarçar. Ele se achava e se sentia homem e másculo. Detestava o que lhe parecia "efeminado" e tudo que se relacionasse com atitudes que ele considerava como feminina ou "gay". Ele permaneceu em análise durante quatro anos e neste período pude observar estados depressivos bastante acentuados.
Paciente D
D. é um homem com pouco mais de 40 anos. Solteiro, profissional liberal e bastante ativo em sua vida profissional. Tem vida social intensa, amigos e muitas amigas. Informa que não consegue ficar muito tempo com uma única mulher. Relaciona-se com várias ao mesmo tempo. Ele diz que gosta muito de estar com elas, algumas são suas amigas e amantes, e ele diz que tem predileção pela prática de coito anal. D. muitas vezes, quando conhece uma parceira, já coloca como condição para se relacionarem o desejo de "possui-la por trás". Ele entretanto diz também que se relaciona de outras formas com as diferentes parceiras que tem tido. Já teve relações com homens e, aparentemente, embora diga que prefere atualmente mulheres, pois dá-se melhor com elas, não exclui a possibilidade de relacionar-se com homens. O que chama a atenção não só nos seus relatos, mas também em sua atitude, é que seu comportamento não sugere promiscuidade. Ele parece sempre sensível e terno com suas amigas, e se sente muito considerado por elas. Nas sessões, em relação a mim, é muito afetivo, espontâneo e muito bem humorado. Há, entretanto, períodos em que se torna irritado e bastante deprimido. Quando diverge por qualquer razão de alguma observação minha ou quando divirjo de algum ponto de vista seu, torna-se muito constrangido e angustiado. Penso que esta ansiedade advém do fato de temer muito pela sua violência. É muito colaborador, assíduo e tem demonstrado interesse crescente por sua análise.
Comentar estas quatro situações me parece supérfluo uma vez que as questões que julgo relevantes foram expostas acima. Entretanto escolhi para encerrar esta exposição um trecho que considero bastante significativo e atual da obra de Freud (1920): "A literatura do homossexualismo em geral deixa de distinguir claramente entre as questões da escolha do objeto, por um lado, e das características sexuais e da atitude sexual do sujeito, pelo outro, como se a resposta à primeira necessariamente envolvesse as respostas às últimas. A experiência, contudo, demonstra o contrário: um homem com características predominantemente masculinas e também masculino em sua vida erótica pode ainda ser invertido com respeito ao seu objeto, amando apenas homens em vez de mulheres. Um homem em cujo caráter os atributos femininos obviamente predominam, que possa, na verdade, comportar-se no amor como uma mulher, dele se poderia esperar, com essa atitude feminina, que escolhesse um homem como objeto amoroso; não obstante, pode ser heterossexual e não mostrar, com respeito ao seu objeto, mais inversão do que um homem médio normal. O mesmo procede, quanto às mulheres; também aqui o caráter sexual mental e a escolha de objeto não coincidem necessariamente. O mistério do homossexualismo, portanto, não é de maneira alguma tão simples quanto comumente se retrata (...)" (pág. 210).
Bibliografia:
Denise Razzouk e Giovanni Torello
Data da última modificação:23/08/00
http://www.priory.com/psych/homo.htm