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International Journal of Psychiatry - ISSN 1359 7620 - A trade mark of Priory Lodge
Education Ltd
N
Psiquiatria Baseada em
Evidências:
coordenação Dra Ana C Chaves
Tratamento da Bulimia Nervosa
com Antidepressivos
Josué Bacaltchuk *
* Pós-graduando do Depto de
Psiquiatria da Unifesp
A Bulimia Nervosa (BN) é um transtorno alimentar
caracterizado por episódios recorrentes de voracidade incontrolável, onde o consumo
compulsivo de uma grande quantidade de alimentos em um período limitado de tempo é
seguido do uso recorrente de métodos compensatórios inadequados, purgativos ou não,
para evitar o ganho de peso. Os comportamentos mais frequentes são vômitos provocados,
abuso de laxantes ou diuréticos, dieta estrita ou jejum e exercícos vigorosos. Além
disto, os indivíduos com BN apresentam uma preocupação excessiva e persistente com o
peso e a forma do corpo, dois dos fatores mais importantes na determinação da
auto-estima desta pessoas. Os estudos epidemiológicos indicam que o transtorno afeta
entre 1,3% e 10,1% das mulheres jovens americanas, dependendo dos critérios diagnósticos
utilizados. A prevalência entre adolescentes e adultos jovens do sexo feminino é de
aproximadamente 1%-3% (APA, 1994). A BN tem sido encontrada em todas as classes
sócio-econômicas. Pelo menos 90% dos pacientes são do sexo feminino. A BN pode causar
morbidade importante e ser causa de mortalidade (FBNCSG 1992), representando um problema
importante de saúde pública.
Desde a descrição inicial da BN por Russell em 1979,
diferentes modelos teóricos foram propostos para a sua compreensão. Em conseqüência
disto, diversas abordagens terapêuticas têm sido testadas na busca de resultados mais
efetivos. No entanto, esta área de investigação tem sido limitada por vários problemas
conceituais e metodológicos, incluindo a definição dos casos, o controle de variáveis
relevantes, especialmente aquelas psicológicas e não comportamentais, e os métodos de
avaliação de desfecho e de estudos de tratamentos a longo prazo (Shaw & Garfinkel
1990). A resposta terapêutica às intervenções farmacológicas tem sido avaliada
através do relato subjetivo de mudança na freqüência de episódios bulímicos, apesar
das descrições clínicas e das pesquisas sugerirem a existência de outros indicadores
de resposta.
As duas modalidades terapêuticas que receberam maior
suporte empírico em estudos controlados foram a psicoterapia, principalmente a terapia
cognitivo-comportamental, e a farmacoterapia com antidepressivos. O uso de antidepressivos
baseava-se na observação inicial de uma alta frequência de sintomas depressivos nas
pacientes bulímicas (até 50%), seguida da associação dos dois transtornos em estudos
familiares e estudos longitudinais de curso, em paralelo ao desenvolvimento do
conhecimento da influência das monoaminas e dos neuropeptídeos sobre a fome, a saciedade
e a seleção de macronutrientes.
Todos os tipos de antidepressivos parecem ser benéficos,
em algum grau, na redução de sintomas bulímicos em um grande número de pacientes
(Wolfe 1995). Não existe evidência clara de um efeito diferencial entre os diversos
antidepressivos testados. Não se sabe se uma classe de drogas é mais efetiva que outra
na redução dos sintomas, apesar dos inibidores da recaptação da serotonina serem a
classe mais utilizada e da fluoxetina ser o único antidepressivo aprovado pelo FDA para o
tratamento da BN até a presente data.
Neste sentido, iniciamos há cerca de 1 ano na Escola
Paulista de Medicina - UNIFESP- uma revisão sistemática sobre o tratamento da BN com
antidepressivos, em colaboração com a Universidade de Adelaide, na Austrália. Os
principais objetivos desta revisão são:
determinar se os antidepressivos são efetivos no
tratamento da BN quando comparados à placebo e à psicoterapia;
avaliar a existência de um efeito diferencial entre
os diversos tipos/classes de antidepressivos com relação à efetividade e
tolerabilidade;
testar a hipótese que o efeito antibulímico é
independente do efeito antidepressivo.
O protocolo completo desta revisão sistemática, incluindo
a metodologia utilizada para identificação dos artigos, critérios de inclusão dos
estudos e análise estatística, está disponível na publicação eletrônica "The
Cochrane Library" (Bacaltchuk, 1998).
Foram identificados e pré-selecionados para inclusão na
revisão 22 estudos comparando antidepressivos com placebo e 5 estudos comparando
antidepressivos com psicoterapia ou com a combinação destas duas abordagens
terapêuticas. Os trabalhos selecionados estão listados nas referências no item
"trabalhos pré-selecionados para a revisão".
Resultados preliminares
A metanálise ainda não foi concluída, portanto
apresentaremos aqui apenas algumas considerações da análise metodológica dos estudos
pré-selecionados, bem como algumas considerações preliminares sobre a eficácia e a
tolerabilidade das abordagens terapêuticas avaliadas.
- A maioria das medicações mostrou-se benéfica quando
comparada a placebo, não havendo evidência clara de uma diferença na eficácia entre as
várias drogas usadas.
- As reduções percentuais na freqüência de episódios
bulímicos (média de 6-8 semanas de tratamento) com o uso de antidepressivos variaram
entre 26% e 91%, comparadas com as variações observadas com o uso de placebo indo de um
aumento de 21% a uma redução de 52%. A remissão completa dos episódios (100% de
redução) durante a última semana de tratamento com antidepressivos variou entre 0% e
68% dos pacientes, (média de 24%). As reduções nos episódios purgativos tenderam a
coincidir com as reduções nos episódios bulímicos, e podem ser o reflexo da menor
necessidade de prevenir o ganho de peso, uma vez que os episódios bulímicos diminuíram.
- Uma taxa significativa de recaída (30-45%) é observada
quando os pacientes são acompanhados por 4-6 meses (Pyle 1990 avaliando os pacientes do
estudo de Mitchell 1990; Walsh 1991), apesar de serem raros os estudos que acompanharam os
pacientes a médio ou longo prazo.
- Os resultados sugerem que a melhora na depressão não
acompanha necessariamente a melhora nos episódios bulímicos. Poucos estudos avaliaram a
redução da ansiedade como medida de desfecho na avaliação da resposta terapêutica. A
influência de um transtorno da personalidade comórbido ainda não foi avaliada de forma
satisfatória.
- Há pouca informação a respeito de como os comportamentos
alterados eram substituídos por padrões alimentares mais adequados e considerados
normais, bem como sobre mudança nos padrões de exercícios, jejum e outros
comportamentos compensatórios para prevenir o ganho de peso.
- As taxas de interrupção prematura dos tratamentos são
altas, em parte devido aos efeitos colaterais e em parte devido à falta de motivação
dos pacientes em tomar medicação.
- As doses utilizadas nestes estudos foram similares àquelas
empregadas para tratamento da depressão. Estudos que utilizaram doses menores que as
doses antidepressivas habituais (entre 200 mg 300 mg de imipramina, 200 mg de
desipramina e 90 mg de fenelzina), tenderam a mostrar resultados menos favoráveis.
- Os estudos disponíveis comparando psicoterapia com
antidepressivos mostram que a psicoterapia cognitivo-comportamental isolada é superior a
um antidepressivo isolado, e sugerem que a combinação de medicação e psicoterapia
proporciona benefícios terapêuticos adicionais.
- Uma questão a ser resolvida é qual a melhor seqüência de
tratamentos, ou seja, qual o papel da farmacoterapia e da psicoterapia no planejamento
terapêutico inicial para cada paciente. Uma vez que cada uma destas abordagens pode
proporcionar benefícios para um determinado paciente, mais estudos são necessários para
que se tente identificar fatores preditivos de resposta para cada tratamento, bem como o
benefício potencial da associação das duas abordagens.
- Outra questão relevante é qual o antidepressivo de
primeira escolha. Até o presente momento não há evidências demonstrando diferenças
entre as drogas testadas no que se refere à eficácia comparada ao placebo. Neste
sentido, a escolha da medicação deve basear-se na melhor tolerabilidade e na
probabilidade de uma melhor adesão ao tratamento. Por induzirem menos efeitos colaterais
anticolinérgicos e antihistamínicos, os inibidores seletivos de recaptação da
serotonina podem ter vantagens teóricas sobre os tricíclicos e os inibidores da
monoaminoxidase.
Considerações finais
Os antidepressivos parecem ser eficazes na redução dos
episódios bulímicos e purgativos em pacientes com BN, quando comprados ao placebo. A
medicação, no entanto, raramente será a abordagem de primeira escolha. Ela será em
geral um complemento de medidas educativas, reabilitação nutricional e psicoterapia. A
psicoterapia cognitivo-comportamental tem-se mostrado geralmente mais eficaz do que a
farmacoterapia isolada. No entanto, a associação de antidepressivos à psicoterapia pode
proporcionar um efeito aditivo ao da psicoterapia isolada.
A fluoxetina (60 mg/dia) tem sido considerada a medicação
de primeira escolha para o tratamento da BN, e é o único antidepressivo aprovado pelo
FDA para esta indicação. Os antidepressivos tricíclicos, em especial a desipramina
(200-300 mg/dia), podem ser uma alternativa à fluoxetina para alguns pacientes, mas
estão associados a um maior risco de efeitos colaterais, ao abandono do tratamento e ao
risco de superdose. Os pacientes que não respondem de forma adequada a um primeiro
antidepressivo podem beneficiar-se de uma segunda medicação, de preferência de uma
classe terapêutica / mecanismo de ação diferente (por exemplo, fluoxetina seguida de
desipramina).
Do ponto de vista prático, como a psicoterapia
cognitivo-comportamental parece proporcionar benefícios a curto e a longo prazos, seria
apropriado recomendar este tratamento como abordagem inicial para os pacientes sempre que
um terapeuta qualificado estiver disponível. Caso não haja um terapeuta qualificado e
experiente, os pacientes não respondam a esta abordagem de forma adequada, ou caso haja
um transtorno de humor associado, o uso de antidepressivos deveria ser considerado.
Comentários: Ana C. Chaves
A Bulimia Nervosa (BN) é uma doença descrita
há menos de 20 anos e a revisão do Dr Josué é muito importante para o clínico que
lida com este tipo de pacientes. É uma doença que acomete principalmente pessoas do sexo
feminino e pode ser encontrada em diferentes culturas e classes sócio-econômicas.
É interessante notar que os tratamentos mais
testados foram a psicoterapia cognitivo-comportamental e os inibidores seletivos de
recaptação da serotonina (principalmente a fluoxetina) possivelmente porque são
terapêuticas mais recentes e que estão mais em voga.
Apesar dos resultados parecerem animadores à
primeira vista: a maioria das medicações mostrou-se benéfica quando comparado com
placebo e que a psicoterapia cognitivo-comportamental é mais importante do que o uso da
medicação sozinha, as taxas de recaída e de remissão dos sintomas variaram muito entre
os estudos e parece que mais esudos serão necessários para aumentar o conhecimento nesta
área. O principal desfecho clínico medido parce ser o número de episódios bulímicos e
isto talvez seja necessário avaliar outras dimensões do funcionamento do indivíduo,
como sintomas psiquiátricos, funcionamento social, qualidade de vida, nível de insight,
etc.
Outro dado que chama a atenção é o fato de
uma modalidade de psicoterapia ter se mostrado superior ao uso de medicação em ensaios
clínicos controlados randomizados. Apesar das dificuldades metodológicas de
conduzir estudos controlados em psicoterapia este achado mostra a importância desta
intervenção em Psiquiatria.
Um aspecto importante a ser considerado é que
a maioria destes estudos foram realizados em países desenvolvidos e seria fundamental
estudar estas intervenções em nosso meio. A alimentação é um problema a ser saneado
em nosso país e o caso de uma paciente de baixo poder aquisitivo que ficou internada na
Unidade Psiquiátrica do Hospital São Paulo mostra bem este fato. Durante à noite esta
paciente comia tudo o que encontrava na geladeira de sua casa e depois provocava vômitos.
A família se revoltou com este comportamento, porque era difícil entender que a paciente
estava doente, e como reação a isso expulsaram-na de casa porque estava ameaçando a
sobrevivência da família.
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Denise Razzouk e Giovanni Torello
Data da última
modificação:23/08/00
http://www.priory.com/psych/josue.htm