No Paiz dos Yankees
Desconfiança paranóide como fator de risco para depressão em esquizofrenia
Caros leitores
Durante os meses de julho e agosto estou lotado na emergência psiquiátrica da Univeridade de Maryland e tenho trocado as noites pelos dias. Estou num estado de cansaço crônico e não tenho tempo nem concentração de escrever uma nova coluna. Há no entanto um trabalho que apresentei no congresso brasileiro em Fortaleza e cuja versão em inglês sairá na Schizophrenia Research no começo de 2001. Foi um trabalho baseado nos dados do Epidemiological Catchment Area – ECA- que escrevi com Brian Kirkpatrick do Maryland Psychiatric Research Center , Allen Tien da Johns Hopkins e Ranganathan Ram da Universidade de Nova Iorque. Agradeço comentários e espero ter mais tempo para escrever uma nova coluna em agosto, quem sabe falando das esperiências na emergência.
Desconfiança paranóide como fator de risco para depressão em esquizofrenia
Autores:
Erick Messias, MD 1
Brian Kirkpatrick, MD 1
Ranganathan Ram, M.D. 2
Allen Y. Tien, M.D., M.S.H.
3
1Maryland Psychiatric Research Center, Department
of Psychiatry University of Maryland, Baltimore, Maryland
2Department
of Psychiatry, State University of New York at Buffalo, Buffalo, New York
3Department
of Psychiatry, Johns Hopkins University and Medical Decision Logic, Inc., Baltimore,
MD
Tema desfecho clinico e diagnóstico/esquizofrenia
Resumo
Objetivo: depressão severa é uma complicação séria e comum na esquizofrenia. Neste estudo prospectivo, baseado em dados populacionais, testamos a hipótese de que Desconfiança paranóide aumenta o risco de depressão em pacientes esquizofrênicos.
Métodos: Nossos dados são provenientes do estudo Epidemiological Catchment Area (ECA). Variáveis clinicas e demográficas na entrevista de base foram usados como variáveis independentes e diagnóstico de depressão na entrevista de seguimento de um ano como variável dependente. Como os diagnósticos da ECA foram baseados em avaliações feitas por entrevistadores leigos, levando a baixa sensibilidade quando comparada com diagnóstico clínico, definimos dois grupos de pacientes como esquizofrênicos, um baseado em diagnóstico e outro em sintomas psicóticos.
Resultados: Desconfiança paranóide está associada a um aumento no risco de desenvolvimento de quadros depressivos em ambos os grupos de pacientes, com as variáveis demográficas levadas em conta. Halucinações, outros delírios, e desorganização do pensamento não estão associados com risco aumentado de depressão, em esquizofrênicos.
Conclusão: Desconfiança paranóide parece ser um fator de risco específico para depressão em pacientes psicóticos. Intervenções psicossociais que diminuam essa mesma desconfiança e seus efeitos no quadro clínico do paciente podem diminuir o risco de depressão, inclusive com impacto no risco de suicídio em esquizofrênicos.
Depressão grave é uma das possíveis complicações da esquizofrenia. Episódios depressivos são não apenas comuns (1) mas também podem explicar, pelo menos em parte o maior índice de suicídios encontrados em pacientes esquizofrênicos (2,3). Pacientes esquizofrênicos com depressão também parecem ter um maior risco de recorrência(4)
Fatores associados a esquizofrenia contribuem para uma maior incidência de depressão. Esquizofrênicos enfrentam dificuldades em áreas como manutenção de relacionamentos (5), assim como em medidas globais de funcionamento. Alterações nos tratos dopaminérgicos também podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento de depressão na esquizofrenia (6)
A variedade de apresentações clínicas, história natural e resposta ao tratamento em pacientes com esquizofrenia permite questionar se um sub grupo de pacientes, com características clínicas próprias não apresentaria um risco aumentado de depressão. Características demográficas estão ligadas a suicídio tanto na população esquizofrênica quanto na população geral (7,8). Num estudo retrospectivo nosso grupo já mostrou que desconfiança paranoide estava associada a episódio depressivo, em duas amostras de pacientes esquizofrênicos. (9)
Com a finalidade de testar a hipótese de que desconfiança paranóide está associado a um maior risco de depressão em esquizofrenia , planejamos o presente trabalho, utilizando um banco de dados baseado na população geral. Nesse mesmo estudo apresentamos também variáveis demográficas, assim como outros simtomas psicóticos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Nossos dados são provenientes do Epidemiological Catchment Area (ECA) study (10). A amostra do ECA foi planejada para constituir uma amostra da população adulta dos Estados Unidos da América, onde cada local (5 no total) aplicou uma entrevista diagnóstica, em dois tempos entre 1980 e 1984. Em cada local cerca de 3000 pessoas foram entrevistadas (11). Cerca de 12% da população original não participou da entrevista de seguimento.
Sintomas psicóticos foram avaliados usando a entrevista diagnóstica desenvolvida pelo Instituto Nacional de Saúde Mental - National Institute of Mental Health Diagnostic Interview Schedule - DIS (12). Estudos anteriores atestam a validade do diagnóstico utilizando a DIS (13, 14,15).
Para se levar em conta críticas anteriores a DIS, criamos 2 grupos de pacientes para investigação: um com diagnóstico de esquizofrenia segundo a DIS e outro definido a partir do número de sintomas psicóticos (14, 16). Em ambos os grupos somente entraram na análise pacientes em diagnóstico de depressão na primeira entrevista..
A fim de avaliarmos risco para desenvolvimento de depressão, utilizamos uma regressão logística. A variável dependente foi um diagnóstico de depressão na entrevista de seguimento (D2SMDEP). As variáveis independentes incluíam dados demográficos, como raça, sexo e idade, assim como variáveis clínicas como delírios e halucinações, desorganização de pensamento e desconfiança paranóide. Estudos mostram que delírios e halucinações tendem a se correlacionar, daí a razão da codificação conjunta. (17-19).
RESULTADOS
As características dos dois grupos estão resumidos na tabela 1 .
A incidência de episódio depressivo no seguimento foi de 1.6% na população geral(317 of 19544), 11.3% no grupo com diagnóstico de esquizofrenia pela DIS (16 of 141), e 5.9% no grupo sintomático (14 of 223). Em ambos os grupos o grau de desconfiaça paranóide estava associado ao aparecimento de episódio depressivo no seguimento. (Tabela 3). Em ambos os grupos sexo feminino também estava associado a risco aumentado de depressão.
DISCUSSÃO
Utilizando um base de dados representativa da população geral mostramos que desconfiança paranóide aumenta o risco de desenvolvimento de quadros depressivos em pacientes psicóticos. Outros sintomas psicóticos não parecem estar associados com esse risco.
Limitações desse trabalho incluem o fato das entrevistas diagnósticas terem sido aplicadas por leigos. Estudos anteriores mostram que esses diagnósticos parecem ter boa sensibilidade mas pouca especificidade. (13-15)..
O percentual perdido no seguimento (12% da amostra original) também deve ser levado em consideração (23).
Outra possibilidade é de que desconfiança paranóide seja um pródromo e não um fator de risco para depressão.
Nossos achados no entanto estão de acordo com outros estudos anteriores com população menores. (9). Num estudo conduzido no hospital Chestnut Lodge desconfiança paranóide em pacientes com esquizofrenia estava ligada a maior risco de suicídio (24). Existem no entando estudos que não encontraram relação entre desconfiança paranóide e depressão (25). Dois estudos importantes de famílias de pacientes com depressão mostrou uma prevalência aumentada de personalidade paranóide ou desconfiança paranóide em familiares não afetados. (26-27).
Outras possibilidades de investigação existem acerca de sinais sub clínicos de desconfiança paranóide e risco de depressão na população geral.
É importante notar que desconfiança paranóide é basicamente um fenômeno social, ou interpessoal, na medida em que está relacionado com crenças nas intenções de outra pessoas. Outros fenômenos sociais, ou interpessoais, também estão relacionados com um maior risco de depressão: perda de um dos pais na infância(28-29), perda de suporte social (30-31), e convívio em ambiente com relações explicitamente conflituosas (toda a literatura acerca de "expressed emotion") (32). Modelos de depressão em primatas também fazem uso de aspectos sociais (33). Por outro lado pacientes com a síndrome do déficit, um subgrupo da esquizofrenia, parecem ter um risco diminuído de depressão (9), ao mesmo tempo em que possuem um grau baixo de desconfiança paranóide (9).
Apesar de não ser claro a partir de nossos achados se desconfiança paranóide contribui para a etiologia de depressão em esquizofrênicos, a demonstração da mesmo como fator de risco possui relevância clínica. Na medida em que estejamos atentos para o fenômeno e possamos atuar preventiva e precocemente no nosso trato diário com pacientes portadores de esquizofrenia, poderemos ter um impacto maior na incidência de depressão assim como prevenir tentativas de suicídio.
Tabela 1: Perfil demográfico dos dois grupos
|
ECA Esquizofrenia (n=141) |
> 4 sintomas psicóticos |
Idade (+SD) |
36.8+ 15.3 |
42.7 + 18.9 |
% masculino |
47 |
46 |
Escolaridade (+SD) |
10.4+ 3.3 |
10.16 + 3.4 |
% Caucasianos |
46 |
54 |
Table 2: Intersseção entre os grupos
|
> 4 sintomas psicóticos |
||
|
Sim |
Nao |
|
ECA Esquizofrenia |
Sim |
59 |
82 |
|
Nao |
87 |
19633 |
Kappa = 0.41, p<.001
Table 3: Variáveis e surgimento de depressão no seguimento
Grupo |
Variável |
Wald c 2 |
df |
R |
p value |
DIS esquizofrenia |
Sexo |
7.51 |
1 |
.26 |
<.01 |
|
Idade |
0.45 |
1 |
<.01 |
.50 |
|
Raça |
0.44 |
1 |
<.01 |
.50 |
|
Desorganização do pensamento |
1.23 |
1 |
<.01 |
.26 |
|
Delírios e halucinações |
2.91 |
1 |
.10 |
.08 |
|
Desconfiança paranóide |
7.3 |
1 |
.25 |
<.01 |
> 4 Psicóticos |
Sexo |
7.81 |
1 |
.32 |
<.01 |
Sintomas |
Idade |
2.98 |
1 |
.13 |
.08 |
|
Raça |
1.43 |
1 |
<.01 |
.23 |
|
Desorganização do pensamento |
0.15 |
1 |
<.01 |
.69 |
|
Delírios e halucinações |
2.10 |
1 |
<.01 |
.14 |
|
Desconfiança paranóide |
6.11 |
1 |
.26 |
<.03 |
REFERÊNCIAS
Itens da DIS utilizados na criação das variáveis
Delírios e alucinações
Data da última modificação:09/08/2000