Saúde Mental do Médico e
do Estudante de Medicina *
Luiz Antonio Nogueira Martins **
* Versão modificada de relatório apresentado na Mesa Redonda: "Saúde Mental do Médico e do Estudante de Medicina"- IV Encontro Brasileiro de Interconsulta Psiquiátrica e Psiquiatria de Hospital Geral, Belo Horizonte, setembro de 1995
** Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Ex-Coordenador de Ensino do Departamento de Interconsulta e Psiquiatria de Hospital Geral da Associação Brasileira de Psiquiatria
Uma alta prevalência de suicídio, depressão, uso de drogas, distúrbios conjugais e disfunções profissionais em médicos e estudantes de medicina tem sido relatada na literatura (MODLIN & MONTES, 1964; CRAIG & PITTS, 1968; DUFFY, 1968; VAILLANT e col., 1970; ROSE & ROSOW, 1973; ROSS, 1973; VALKO & CLAYTON, 1975; TOKARZ e col., 1979; SMALL, 1981; McAULIFFE e col., 1986; RICHINGS e col., 1986; SMITH e col., 1986; ARNETZ e col., 1987; FIRTH-COZENS, 1987; NOGUEIRA-MARTINS, 1989/90; PILOWSKI & O'SULLIVAN, 1989; MIRANDA & QUEIROZ, 1991).
A natureza estressante do exercício profissional (MAWARDI, 1979; GARDNER & HALL, 1981; McCUE, 1982; NOGUEIRA-MARTINS, 1991) e da formação médica (BUTTERFIELD, 1988; FIRTH-COZENS, 1990; NOGUEIRA-MARTINS, 1994) e as características psicodinâmicas que conduzem os indivíduos para a carreira médica (VAILLANT e col., 1972; JOHNSON, 1991) tem sido habitualmente apontadas como fatores responsáveis ou desencadeantes de distúrbios emocionais em médicos. Em artigo de revisão, WARING (1974) encontrou dados indicativos de que a morbidade psiquiátrica na família, as experiências de vida e a personalidade eram fatores etiológicos mais importantes, para os distúrbios psiquiátricos em médicos, do que os fatores ocupacionais.
Em um estudo prospectivo que se tornou clássico na literatura, VAILLANT e col. (1972) investigaram a influência exercida por diversos fatores na saúde psicológica dos médicos. As dificuldades adaptativas experimentadas na infância e adolescência por 47 médicos (homens) foram comparadas às de 79 profissionais não-médicos (homens), socio-economicamente pareados. Paralelamente, ao longo de 30 anos da vida adulta, o uso de drogas, a estabilidade no casamento, a busca de psicoterapia e os mecanismos utilizados pelos médicos para lidar com crises e conflitos foram comparados com o grupo controle (não-médicos).
Os resultados revelaram que os médicos, especialmente aqueles que tinham prática clínica, apresentavam casamentos mais instáveis, usavam drogas e álcool de forma abusiva e buscavam psicoterapia em proporção maior do que os controles. Ao discutir estes resultados, os autores assinalam que embora estas dificuldades sejam, com freqüência, atribuídas às vicissitudes do exercício da Medicina, a sua presença ou ausência estava fortemente associada à adaptação na vida anterior à escola médica. Somente os médicos com adaptações instáveis na infância e adolescência revelaram vulnerabilidade às solicitações da profissão.
Em relação aos mecanismos utilizados para lidar com as
crises e conflitos da vida adulta, o estudo detectou que os médicos utilizavam, em uma
proporção duas vezes superior à dos controles, os mecanismos de reações
hipocondríacas, auto-agressão e formação reativa; alguns médicos pareciam ter uma
espécie de fobia a procurar ajuda; o altruismo como um tipo de formação reativa também
apareceu em uma proporção duas vezes superior à dos controles. Na discussão de seus
achados, os autores destacam os seguintes pontos:
MODLIN & MONTES (1964), em estudo com médicos
(homens) dependentes de narcóticos, referem que as razões dadas pelos médicos para o
uso de drogas eram: sobrecarga de trabalho, fadiga crônica e doença física. Os autores,
contudo, ao elaborarem uma história anterior à dependência, encontraram nos relatos dos
médicos sentimentos de muita revolta em relação aos pais. Mais de 50% dos pais eram
referidos como alcoólatras ou consumidores excessivos de álcool e as mães eram
descritas como extremamente nervosas, dominadoras, depressivas, hipocondríacas e cruéis.
Simultaneamente, havia a presença de intensos sentimentos de dependência em relação
às mães.
Outros dados dessa pesquisa indicavam que os médicos
haviam tido diversas doenças na infância, como cólicas intestinais, enurese, asma,
obesidade, infecções respiratórias recorrentes e febre reumática. A vida conjugal
destes médicos era uniformemente caracterizada por discórdia e infelicidade, sendo que
75% tinham sérias dificuldades sexuais com as esposas.
Em artigo de revisão sobre a predisposição dos
estudantes e médicos para os distúrbios emocionais e psiquiátricos, JOHNSON (1991)
destaca o importante papel das experiências de vida na determinação da vulnerabilidade
ao estresse ocupacional. Estudos a respeito das motivações dos estudantes para a
carreira médica sugerem que, para uma parcela dos estudantes, um dos componentes de sua
opção profissional é uma tentativa de reparação de experiências emocionais infantis
vinculadas a vivências de impotência e/ou de abandono emocional.
Segundo JOHNSON, os dois mecanismos básicos envolvidos nas motivações de alguns
estudantes para a escolha da carreira médica seriam:
A escolha da medicina nesses casos seria uma resposta adaptativa a uma vivência de fragilidade e de baixa auto-estima, que pode levar ao desenvolvimento de algumas disfunções profissionais, tais como:
Em resumo, há evidências sugestivas de que uma parcela
da população médica - cerca de 8% a 10% - seja um grupo de risco em relação a
distúrbios emocionais. Este grupo apresenta, portanto, uma maior vulnerabilidade
psicológica. Essa vulnerabilidade psicológica deve ser considerada no âmbito do
planejamento das atividades médicas na graduação e pós-graduação. Considerando esses
aspectos e os fatores ocupacionais - o estresse da tarefa médica - torna-se necessário,
em nosso meio:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Denise Razzouk e Giovanni Torello
Data da última modificação:23/08/00
http://www.priory.com/psych/saudment.htm