Suicídio na Adolescência
Psiquiatra de Porto Alegre, Especialista em Psiquiatria de Adolescentes e Membro Titular da Associação Brasileira de Psiquiatria
A adolescência é uma etapa de conflitos e contradições para a maioria das pessoas. O jovem entra no mundo adulto através de profundas alterações no seu corpo, deixa para trás a infância e é lançado num mundo desconhecido de novas relações com os pais, com o grupo de iguais e forte angústia, confusão e sentir que ninguém o entende, que está só e que é incapaz de decidir corretamente seu futuro. Isto ocorre, principalmente, se este jovem estiver inserido em um grupo familiar que também está em crise por separação dos pais, violência doméstica, alcoolismo de um dos pais, doença física ou morte. Estando completamente sem apoio no meio familiar, pode buscar desesperadamente o apoio de um grupo de iguais, o qual, pode ser constituído de jovens problemáticos ou francamente delinqüentes. Sem o suporte da família e entre amigos que são fonte insuficiente de apoio, encontramos o ambiente favorável para o desenvolvimento da depressão do adolescente.
O adolescente possui tendência natural para comunicar-se através da ação, em detrimento da palavra. Por isso, na busca de uma solução para seus conflitos, os jovens podem recorrer às drogas, ao álcool ou à sexualidade precoce ou promíscua na tentativa de aliviar a dor ou reencontrar a harmonia infantil perdida. Enraivecidos podem orientar-se para comportamentos agressivos e destrutivos contra a sociedade. É comum observarmos um jovem manifestar sua depressão através de uma série de atos antis-sociais.
A depressão franca também é muito comum nos adolescentes. O jovem deprimido confia pouco em si mesmo, tem auto-estima baixa, experimenta alterações no apetite e no sono, se auto-acusa e tem lentidão dos pensamentos. Vê a si mesmo como sem valor e, por isso, atribui suas experiências desprazeirosas a alguma falha pessoal. Tem uma visão negativa do futuro e sente que suas dores e frustrações não serão aliviadas. Estes sentimentos levam a prejuízo na saúde, dos estudos e dos relacionamentos interpessoais.
Durante um episódio depressivo o jovem costuma sentir-se inquieto ou irritado, isolar-se de amigos ou familiares, ter dificuldade de se concentrar nas tarefas, perder o interesse ou o prazer em atividades que antes gostava de realizar, sentir-se desesperançado e ter sentimentos de culpa e perda do prazer em viver. Pode também ter alterações do sono, por exemplo, ir dormir mais tarde do que costumava fazer, acordar cedo demais, ter sonolência durante o dia; e do apetite, que o leva a ganhar ou perder peso.
O jovem deprimido pode se sentir impotente para sair desta espiral descendente e, realmente, necessita de auxílio para melhorar. Este auxílio poderá vir de qualquer adulto confiável, mas a pessoa mais qualificada para ajudar nestes casos é profissional da área de saúde mental com habilidade em psicoterapia. Romper o isolamento depressivo é o primeiro passo para a mudança. Falar abertamente de seus sentimentos com um psiquiatra costuma ser de inestimável valor.
Um estudo realizado com adolescentes internados na Unidade de Psiquiatria do Hospital da PUCRS, em 1992, demonstrou que os adolescentes envolvidos com amigos problemáticos, abusavam de álcool ou drogas, tinham sintomas depressivos e comportamentos anti-sociais, e eram muito sensíveis a perdas, críticas e separações. Estes adolescentes sentiam-se sós e tinham história de tentativas de suicídio prévias ou de acidentes. A tentativa de suicídio também esteve presente como um dos principais motivos que conduziu à internação do adolescente. Quase um terço dos adolescentes internados apresentou história de tentativa de suicídio no período que antecedeu a baixa.
Muitas vezes, o jovem pode tentar suicídio de uma maneira inconsciente, envolvendo-se em acidentes automobilísticos nos quais começam com formas mais brandas, por exemplo, através da ingestão de pequenas quantidades de comprimidos e evoluem em gravidade e em potencial de causar a morte (uso de armas de fogo), principalmente, se não ocorrerem mudanças no jovem (melhora a sua depressão através de antidepressivos) ou mudanças no seu meio sócio-familiar (uma atitude mais participativa e responsável dos familiares).
Tendo-se em conta estas possibilidades, elaboramos uma definição de tentativa de suicídio: "um ato, com variado grau de consciência, do indivíduo em relação a si próprio, com possibilidade de provocar dano físico que, em determinadas circunstâncias, pode ser letal, de modo que, é potencialmente perigosa a sua execução, quer pela intencionalidade autodestrutiva subjacente ou pelo desconhecimento do indivíduo sobre os riscos a que se expõe, e cuja motivação situa-se no espectro que vai desde o desejo de acabar com a própria existência, até o desejo de, com o ato, modificar o ambiente sócio-familiar".
É importante estar-se atento as manifestações do jovem que está considerando o suicídio. Ele pode insinuar que é um fardo para os demais e que em breve deixará prejudicar os outros. Pode referir que a vida não tem sentido de ser vivida e que a sua morte seria um alívio para todos. Devemos ter atenção especial com os adolescentes que repentinamente melhoram de um episódio depressivo, aparentam alegria e começam a arrumar o quarto, jogar coisas fora e a se desfazer dos seus objetos preferidos. A alegria inesperada pode representar que "encontraram a solução", decidindo se matar durante o episódio depressivo.
Os adolescentes que tentam suicídio sentem-se sós e desesperados. Desespero é o sentimento de urgência de que ocorram mudanças na vida somado à desesperança de que essas mudanças possam realmente ocorrer e à crença de que a vida é impossível se não acontecerem tais mudanças. Os principais acontecimentos vitais que costumam desencadear uma tentativa de suicídio são as perdas ou rompimentos em relacionamentos afetivos, os desentendimentos familiares e as experiências de humilhação que diminuem a auto-estima, como, por exemplo, um fracasso escolar.
Publicações do Drug Abuse and Mental Health Administration, de 1990, mostram que treze por cento das pessoas que cometem suicídio o fazem em conseqüência do abuso de álcool e drogas. O álcool e as drogas prejudicam o controle dos impulsos, inclusive das tendências autodestrutivas. Tanto o abuso de álcool e drogas, quanto a depressão e o suicídio no adolescente são problemas importantes de saúde pública. Os jovens morrem principalmente de causas violentas e o suicídio é a terceira causa de morte em adolescentes. Para cada suicídio de um adolescente, existem 10 tentativas. As moças tentam 3 vezes mais o suicídio que os rapazes, mas os rapazes alcançam a morte mais freqüentemente que as moças e utilizam métodos mais violentos.
Um jovem que ameaça ou tenta suicídio está revelando um completo colapso dos mecanismos adaptativos e precisa urgentemente de auxílio especializado. Como a depressão pode ter causas tanto biológicas e hereditárias quanto psicossociais, o tratamento pode incluir combinações de medicação antidepressiva com psicoterapia e manejo familiar.
É fundamental no atendimento do adolescente suicida:
Somente a conscientização de todos sobre este grave problema poderá contribuir para que diminua sua ocorrência na população de adolescentes. A Internet pode auxiliar na divulgação de informações sobre o tema, esclarecendo familiares e profissionais que lidam com adolescentes. Os depoimentos pessoais também são importantes ao fazer com que o jovem perceba que sua experiência não é exclusiva e outros compartilham sentimentos semelhantes.
Para aqueles que estão enfrentando um problema relacionado com o suicídio, na página Psych Central do Dr. John Grohol na Internet (http://www.coil.com/~grohol/), clicando em Suicide Helpline terá acesso à página The Samaritans com informações importantes, nesta página, clicando em Befrienders International poderá obter os endereços e telefones helpline dos serviços de auxílio em todo o mundo.
Referências:
RESMINI, E. - A Tentativa de Suicídio na Adolescência. In: Granã, R - Técnicas Psicoterápicas na Adolescência. Porto Alegre, Artes Médicas, 1984.
Teens Suicide - Página da American Psychiatric Association na Internet.
RYAN, N. D & Cols. (1987) - The Clinical Picture of major depression in children and adolescents. Archives of General. Psychiatry, 44: 854-861.
Denise Razzouk e Giovanni Torello
Data da última modificação:23/08/00
http://www.priory.com/psych/suicidio.htm