APA
(ou de como conheci a Ilha do Caju)
João Paulo Consentino Solano
Como dizem os livros de geografia, há no continente americano apenas um delta voltado para mar aberto. É o delta do Rio Parnaíba, onde existem numerosas ilhas quase intocadas, dentre as quais talvez a mais charmosa seja a Ilha do Caju. Tudo isto fica aqui no Brasil mesmo – inclusive segundo modernas e mundialmente aceitas publicações de geopolítica às quais podemos ter acesso neste final de século XX.
Há algumas semanas atrás, nitidamente influenciado pelos rumores escatológicos que cercavam o dia 11 de agosto de 1999 - cercavam, não; antecipavam, antecediam – procurei um esotérico. Não sei se era um futurólogo, ou terapeuta de vidas passadas, pois já faz tempo que comecei a me sentir confundido com essa noção de... tempo. Procurei o ser mutante, que ficava bravo se lhe chamassem de esotérico e se anunciava na mídia como um "terapeuta holístico", e lhe fiz uma pergunta que, a julgar pela expressão de surpresa muda de sua fisionomia, este terapeuta nunca tinha ouvido. Perguntei-lhe assim:
A pergunta era propositalmente capiciosa. Diferente do que se lhe costumavam perguntar seus outros clientes. Ah! Afinal, por que só eu, que não sou vidente como tanta gente é hoje, ía ficar me preocupando com o rangir de assoalho do Apocalipse às portas? Eu queria ver em mais alguém um olhar assustado... Queria ver se o homem se embananava mesmo. E pela mímica facial de meu consultor, estática e tensa, percebi estar no caminho adequado.
O serviço foi feito ali, todo no mesmo dia. Meu terapeuta decidiu que, dado à pressa em que atualmente vivia a humanidade, no frigir de seus últimos ovos, bastaria uma sessão. Fizemos um, assim chamado, pacote-terapêutico-condensado, e terminamos depois de uma hora ou que tal.
Posso garantir que a regressão a vidas passadas é um procedimento ultra-especializado, complexo, porém, indolor. (Esta é justamente a sua vantagem).
Claro que era necessário pedir a ele alguns detalhes. Ele podia ser até um charlatão...Queria ser chamado de Dr., mas podia não ser!.. O homem podia nem saber o que é um psiquiatra e qual a rotina diária de um especialista desses na Medicina de hoje!.. Mas quando pedi a ele que fosse menos enigmático sobre o quê que ele estava vendo, minhas dúvidas foram plenamente dirimidas. Com muita relutância (pois dizia que queria proteger-me), o homem descreveu o que via e eu reconheci que meu terapeuta sabia bem quais eram as rotinas e as vicissitudes em minha profissão.
Bem, aí o homem contou:
"Rápido, purreciso de um ticket parra irr ao APA", ao que lhe respondeu a mesma:
"Como disse, Sr.?"
"Querro irr ao APA", tirando do paletó um panfleto com letras garrafais;
"Sr., desculpe, estou entrando, mas nossos computadores não reconhecem este destino...apa? De que se trata?"
"Não é APA, sua barrassileirra sem culturra! A porronúncia é Eipiei, entendeu agorra?"
"Sim, desculpe, mas o Sr. deve dirigir-se à próxima companhia aérea, no balcão à sua direita; apenas eles operam este destino a esta hora. Em chegando-se ao balcão, porém, o Sr. não deve falar em Eipiei; Maria, me empresta um papel e uma caneta; não se preocupe... é difícil mesmo para o povo de língua inglesa pronunciar... Pronto, está aqui: o Sr. peça Piauí!"
João Paulo Consentino Solano
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P.S. Por ocasião do XVII Congresso Brasileiro de Psiquiatria, este autor conheceu o trabalho que o prof. Adalberto Barreto realiza na comunidade de Quatro Varas, Fortaleza, Ceará; embora este ,e aquele lugar referido no texto, estejam separados por centenas de quilômetros, o autor acredita ser válido compará-los porque em ambos o ser humano tem a possibilidade de executar um EXERCÍCIO DE LIBERDADE. Àquele professor doutor, pois, e a sua equipe, e ao seu trabalho, fique esta crônica dedicada.JP.
Data da última modificação:09/11/99