Psiquiatria Baseada em Evidências

Coordenação: Dr Antonio Carlos Lopes

Uma introdução ao estudo de revisões sistemáticas e meta-análises

Dr Antonio Carlos Lopes

O que são revisões sistemáticas e meta-análises?

Em meio ao debate entre defensores e opositores do método, não precisamos ir muito longe para observarmos um "boom" de publicações, tanto no exterior quanto no Brasil, de trabalhos ditos de revisão sistemática/meta-análise (ou, ao menos, baseados em seus princípios). Ao contrário do que alguns imaginam, este não é um fenômeno meramente restrito aos Estados Unidos. Na verdade, é recente a incorporação do método pelos americanos. Há anos, autores europeus e canadenses, principalmente, escrevem exaustivamente sobre o assunto, principalmente no "British Medical Journal (BMJ)", na "The Lancet" e no "Journal of the American Medical Association (JAMA)". No Brasil, é a cada dia mais presente a participação de autores brasileiros, muitos dos quais provenientes da área de saúde mental, com publicações em importantes periódicos estrangeiros.

Denominamos revisão sistemática a "aplicação de estratégias científicas que limitem o viés na contrução sistemática, na avaliação crítica e na síntese de todos os estudos relevantes sobre um tema específico" (Cook et al., 1995).

Meta-análise, por sua vez, representa uma "revisão sistemática a qual emprega métodos estatísticos para combinar e resumir os resultados de vários estudos" (Cook et al., 1995).

Origens

As primeiras técnicas formais de combinação de resultados de diferentes estudos foram propostas pelo estatístico Karl Pearson, em 1904, estudando o efeito preventivo de inoculações contra a febre entérica, ao observar que os resultados de pequenos estudos, separadamente, não ofereciam condições de se obter conclusões seguras sobre o assunto, sem que uma grande probabilidade de erro existisse (Egger & Smith, 1997).

Na década de 70, com o advento de técnicas estatísticas mais sofisticadas, as Ciências Socias, especialmente na área de Educação, desenvolveram alguns dos primeiros trabalhos de meta-análise propriamente dita. Em 1976, criou-se o termo "meta-análise", a partir do psicólogo Glass (Egger & Smith, 1997). Seu uso difundiu-se na Psicologia.

Posteriormente, a metodologia de revisão sistemática foi redescoberta na área médica, principalmente a partir de meados da década de 80, inicialmente nas áreas de cardiologia, oncologia e perinatologia.

Na década de 90, ocorreu a fundação da "Cochrane Collaboration", organização internacional com os objetivos de preparar, manter e disseminar revisões sistemáticas na área de saúde. Somente na Europa, instalaram-se 7 Centros Cochrane (na França, Alemanha, Grã-Bretanha, Espanha, Itália, Holanda e Dinamarca), além de centros no Canadá, China, Estados Unidos, Austrália/Nova Zelândia, África do Sul e Brasil.

Atualmente, agências oficiais de financiamento e ministérios da saúde de certos governos europeus somente financiam novos estudos sobre intervenções se, anteriormente, revisões sistemáticas forem publicadas, indicando a necessidade ou não destes trabalhos.

Quando adequadamente elaborados, tanto os estudos de revisão sistemática, quanto os de meta-análise, baseiam-se, rigorosamente, nos princípios de avaliação crítica da literatura desenvolvidos pela epidemiologia clínica clássica e pela bioestatística.

Qual a diferença entre revisões sistemáticas e revisões tradicionais?

Em revisões tradicionais, encontramos em geral a expressão da opinião pessoal de autores, sem descrições claras de como eles escolheram os estudos a revisar. Freqüentemente, não há sequer referências de quais desenhos metodológicos foram escolhidos, e qual foi o procedimento utilizado para obter certas conclusões. É comum a descrição "preferencial" daqueles estudos que confirmam as idéias pessoais dos autores.

Ao contrário das revisões tradicionais, nos estudos de revisão sistemática/meta-análise descreve-se habitualmente a priori, o mais objetivo e detalhadamente possível:

  1. Como os artigos foram selecionados;
  2. Quais desenhos de estudo, pacientes, e intervenções foram escolhidos, baseando-se geralmente em critérios universalmente aceitos.
  3. Como os dados foram recuperados;
  4. Como os dados foram analisados (por exemplo, como ocorreu a randomização de pacientes, nos estudos; na pós-randomização, quais os resultados, quais efeitos adversos; como se decorreu o seguimento dos pacientes/desistentes; como os dados de diferentes estudos foram agregados, etc.).
  5. Quais as implicações do estudo na prática clínica e na pesquisa.

Por que ensaios clínicos?

Inegavelmente, diferentes desenhos de estudos possuem vantagens e limitações específicas, sendo mais indicados para esta ou aquela finalidade. Em todos, sempre existe uma chance daquilo o que se afirma estar errado, ou não representar bem a realidade dos fatos. Esta não é uma questão ideológica ou retórica. Alguns estudos se prestam mais do que outros para certas finalidades específicas. Quando desejamos estudar o impacto de uma intervenção (seja ela qual fôr, de psicoterapia, a medicamentos, cirurgia, técnicas alternativas, etc.) na terapêutica de certas condições, observamos que a chance de obtermos dados que não condizem com a realidade diminui, quando o desenho metodológico do estudo fôr o de um ensaio clínico randomizado, particularmente se grandes grupos de indivíduos participam do estudo. Obviamente, o risco de erro sempre existe e menor é, de acordo com o desenho e as características metodológicas empregadas.

Não à toa, mundialmente certas importantes propostas terapêuticas somente são aceitas após a realização exaustiva de inúmeros ensaios clínicos.

Isto não significa que outros estudos não sejam úteis, como relatos de caso, estudos tipo caso-controle ou estudos de coorte. Cada desenho de estudo, no entanto, possui particularidades e limitações próprias. É complicado, quando não perigoso, querer oferecer estreptoquinase a todo paciente de pronto-socorro com dores no peito, ou tratar esquizofrênicos com "florais de Bach", apenas porque houve um relato de que talvez esta ou aquela intervenção aparentemente "funcionou" em alguém, por mais filosoficamente elaborados os argumentos oferecidos.

Semelhantemente, o simples fato de existirem estudos anteriores comentando sobre uma possível "plausibilidade biológica" para que esta ou aquela intervenção venha teoricamente a ser útil não nos oferece garantia nenhuma de que, na prática, este tratamento realmente sirva aos nossos pacientes. Há inúmeros relatos na literatura de intervenções supostamente benéficas as quais, quando testadas em estudos mais rigorosos, mostraram-se ineficazes ou até prejudiciais.

Em revisões sistemáticas, portanto, preferencialmente analisam-se estudos com um desenho metodológico de ensaios clínicos.

Exemplo da estrutura de um protocolo de revisão sistemática.

Diferentes métodos podem ser utilizados no desenvolvimento de uma revisão sistemática. Descrevo, a seguir, um exemplo de uma estrutura de protocolo/artigo de revisão sistemática:

1. Introdução -semelhante a qualquer artigo.

2. Objetivos - neste caso, semelhantemente a demais trabalhos, mas com uma questão bem determinada, especifica-se o mais claramente possível em que população, quais intervenções e quais desfechos clínicos benéficos e prejudicias serão investigados. Exemplo genérico: avaliar se intervenções psicoterápicas são efetivas no tratamento da fobia social, quais seus benefícios a longo prazo e possíveis efeitos adversos. É a partir desta questão que serão escolhidos estudos a avaliar.

3. Métodos:

3.1. Tipos de participantes: De antemão, defina MUITO claramente quais artigos, referentes a que tipos de pacientes, serão revisados. Poderíamos, por exemplo, procurar por todos os artigos no mundo referentes a psicoterapia em pacientes com fobia social, qualquer que fosse o critério diagnóstico adotado, ou, eventualmente, restringir somente àqueles trabalhos sobre pacientes diagnosticados pelas classificações oficiais. Diferentemente das revisões tradicionais, aqui é obrigatório deixar claro exatamente de quais pacientes estamos falando.

3.2. Tipos de intervenção: Novamente, é fundamental deixar explícito todas as intervenções sobre as quais estaremos procurando estudos. No exemplo anterior, talvez escolhêssemos buscar artigos sobre psicanálise, terapia comportamental, psicoterapia breve, psicodrama e psicologia analítica, na fobia social.

3.3. Tipos de medidas de desfecho clínico: antes de revisar qualquer artigo, indique muito claramente os seguintes itens:

3.4. Tipos de estudos: serão incluídos ensaios clínicos quasi-randomizados? Outros tipos de estudo poderão entrar na revisão de alguma forma? Serão investigados apenas estudos comparando com placebo, ou quaisquer estudos?

3.5. Estratégia de busca: Este item merece destaque especial. Aqui, indica-se COMO os artigos serão encontrados. Todos os artigos merecem ser encontrados (inclusive aqueles relatando resultados negativos). Há inúmeras modalidades de busca, três das quais merecem destaque:

MEDLINE (janeiro de 1966 a agosto de 1999):
((social[Title Word] AND phobia[Title Word])
AND psychother*[Title Word])

3.6. Métodos da revisão:

Não se esqueça de descrever:

Finalmente, quando os dados numéricos disponíveis pemitirem um tratamento estatístico, sempre cite:

3.7. Patrocinadores e interesses: É mais honesto deixar claro quem o financia, e quais são seus interesses neste projeto, quando existirem, do que colocar-se na postura de "crítico inocente".

Quais as vantagens e desvantagens deste método?

Os estudos de meta-análise oferecem resultados sobre a melhor evidência disponível no momento em determindas intervenções, relativos a grandes grupos de indivíduos. Na maioria de nossos pacientes, é provável que os achados de um estudo de meta-análise realmente sejam aplicáveis. Haverá, no entanto, uma parcela de pacientes aos quais, por características específicas, os achados do estudo provavelmente não se aplicam. Segundo Guyatt et al., 1994, "melhor do que rigidamente aplicar os critérios de inclusão/exclusão de um estudo, é perguntar-se se haveria alguma razão realmente importante para não se aplicar os resultados a um paciente. Uma razão importante na maioria das vezes não é encontrada, e habitualmente é possível generalizar os resultados para o seu paciente de forma confiável".

Outro problema refere-se à análise de subgrupos de pacientes (exemplos: pacientes idosos, ou pacientes com comorbidades clínicas, etc.). Para saber se um tratamento realmente possui um efeito diferenciado nestes subgrupos, é importante verificarmos se a diferença de efeito é: 1. grande; 2. se não há chance de ter ocorrido por acaso; 3. se resultou de uma análise especificada enquanto hipótese no início do estudo; 4. se poucos subgrupos foram avaliados; 5. se os dados se replicam em outros estudos. Se estas questões não se aplicam, dificilmente haveria diferenças entre subgrupos quanto a resposta à intervenção (Guyatt et al., 1994).

Por obter os dados (resultados de artigos) por um método retrospectivo, os estudos de revisão sistemática/meta-análise possuem as mesmas vantagens e limitações dos estudos retrospectivos.

Não é (e nunca foi) o objetivo dos estudos de revisão sistemática/meta-análise ditar regras sobre o que é certo ou errado em termos de terapêutica. Quando bem desenvolvidos, no entanto, estes estudos representam uma poderosa ferramenta no auxílio à tomada de decisões pelo profissional de saúde.

Bibliografia:

Cook DJ, Sackett DL, Spitzer WO. Methodologic guidelines for systematic reviews of randomized control trials in health care from the Potsdam Consultation on meta-analysis. Journal of Clinical Epidemiology 1995; 48:167-71.

Egger M, Davey-Smith G. Meta-analysis: potentials and promise. BMJ 1997; 315:1371-4.

Guyatt GH, Sackett DL, Cook DJ. Users' guide to the meddical literature, II: how to use an article about therapy or preveention, B: what were the results and will they help me in caring for my patients? JAMA 1994; 271(1):59-63.

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Giovanni Torello

Data da última modificação:10/08/99