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of The International Journal of Psychiatry - ISSN 1359 7620 - A
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Psiquiatria, outros olhares Reflexões teóricas de um modelo de intervenção Dr.
Antonio Mourão Cavalcante A partir da experiência clínica com pacientes moradores da favela, a maioria com história de contínua migração – primeiro, do campo para a cidade, e depois, de uma favela para outra favela – pode-se constatar a presença de uma série de sintomas que parecem estar relacionados com o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Post Traumatic Stress Disorder ; DSM IV > 309.81). Em tal patologia o primeiro critério de diagnóstico identifica-se com a existência de um evento estressante reconhecível, evocando significativos sintomas de mal estar em quase todos os indivíduos da referida comunidade. Freud (1976) define trauma como “experiência que, em curto período de tempo, traz à mente um acréscimo de estímulos excessivamente poderoso para ser manejado ou elaborado de modo normal”. A pessoa revive o trauma através de algumas recordações insistentes e recorrentes do evento, reduzindo o seu co-envolvimento nos confrontos do mundo externo e vivendo sentimentos de destaque e estranheza com os outros. Além disso, apresenta distúrbios do sono, comprometimento da memória, da capacidade de concentração, vivências de culpa relacionadas com o sobreviver. Esses sintomas são intensificados pela exposição a estímulos que re-vivenciam ou simbolizam o evento traumático. Parece evidente que o fenômeno da migração representa uma experiência traumática, apresentando-se na forma de reações nem sempre explosivas ou claramente manifestas, mas através de efeitos profundos e duradouros. Revelam uma das circunstâncias da vida que expõe as fases de desorganização que necessitam um sucessivo re- equilibro, nem sempre realizável. Estudos revelam que o Transtorno de Estresse Pós-Traumático depende mais dos elementos subjetivos que da gravidade dos eventos estressantes. Destaca-se que entre os fatores que mais influenciam o desenvolvimento de um Transtorno de Estresse Pós-Traumático as mudanças existenciais recentes e os sistemas de suportes prejudicados e inadequados, que são tipicamente encontrados em favelas. A qualidade específica da reação frente ao trauma da emigração parece ser o sentimento de "carência protetora". Essa vivência baseia-se no modelo do trauma do nascimento e da perda da mãe protetora que, em situações extremas, leva à desintegração e à dissolução egóica com a perda dos limites do Eu. Tal risco se configura como de notável gravidade, se, durante a infância existem vivências significativas de privação e de separação relacionados com sentimentos de angústia e de carência protetora. Portanto, em relação à tendência migratória dos indivíduos é possível identificar - segundo Garatto e Olivero (1995) - dois tipos opostos de atitudes: os "ocnofílicos" que se caracterizam pelo ataque às pessoas, aos lugares e aos objetos e não se arriscam a viver só e os "filobáticos"[1] que tendem a uma vida mais independente. Evitam cada tipo de laços à contínua pesquisa de novos postos, novos hábitos e novas atividades.Podemos deduzir que os indivíduos pertencentes ao segundo grupo são mais predispostos a emigrar seguindo novas experiências não obstante a presença de notáveis riscos, entre os quais a inevitável solidão que a pessoa deverá enfrentar em diferentes níveis. Os que decidem partir, deixando o próprio lugar e a própria cultura, ou simplesmente ou próprio bairro ou favela, não obstante a esperança inicial de superar todas as dificuldades potenciais,experimentam graves sentimentos de insegurança,um progressivo isolamento e solidão, e a dolorosa perda do sentimento de pertença. Todos estes elementos podem se enquadrar em um grupo de sintomas que definem uma síndrome mais específica que poderia ser nominada de "Síndrome do Migrante". Muito freqüentemente essa síndrome associa-se a uma sintomatologia parecida com uma depressão reativa. Muitas mulheres atendidas em ambulatório de saúde mental apresentam, no começo, transtornos e sintomas que estimularam uma pesquisa para entender a origem dessa depressão. Como responder a esse problema, em um contexto de pobreza, de marginalização, de falta de recursos básicos, ausência de qualquer tipo de assistência pública? É de vital importância tentar suscitar uma reação positiva no paciente, mobilizando os recursos pessoais e valorizando a sabedoria e os potenciais da cultura popular. Um dos eixos que pode orientar essa situação é o conceito de resiliência, considerado como a capacidade que os indivíduos possuem para transformar situações adversas em situações positivas de superação, resgatando sua auto-estima e promovendo o fortalecimento da identidade e do valor pessoal. Tudo isso através de um trabalho de suporte que respeita o contexto cultural e o imaginário da pessoa. Dimensão Multi-Cultural da Doença Neste ponto coloca-se a mesma pergunta proposta por Murdock (1980): "Por que teorias de causas de doenças que faltam totalmente de respeitabilidade científica recebem mesmo assim muito mais amplo reconhecimento do que teorias que a ciência médica é pronta para aceitar?". A resposta a esta pergunta não se refere tanto à problemática da aceitabilidade da teoria sobrenatural. O ponto é, pelo contrário, como estas teorias influenciam o conceito de doença, saúde e cura nas diversas culturas, fato inegável pelo menos do ponto de vista antropológico, mas abundantemente ignorado pela nosologia oficial ocidental. Como conjugar esta influência com a perspectiva monocultural do mundo científico ocidental, que de fato nega a dimensão multi-cultural da doença? Como superar a perspectiva estritamente biológica que vê a doença mental como o resultado de um desequilíbrio neurofisiológico,produto de uma variação dos neuro -transmissores, e que não considera a importância da cultura, do ambiente social, e da unicidade psíquica da pessoa. BIBLIOGRAFIA
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